Um corpo sem vida foi na manhã desta sexta-feira apanhado na esquina entre a rua Johane Malate e a Avenida 4 de Outubro, a escassos metros da cadeia de Máxima Segurança, vulgo B.O. Não foi possível apurar a identidade da vítima, pois não trazia nenhum documento que o identificasse.
Segundo alguns moradores do bairro Acordo de Lusaka, onde se registou a ocorrência, a vítima terá sido alvo de espancamento ou agressões físicas ao longo da madrugada desta sexta-feira (2).
José Neto morador do bairro cuja residência está próxima do local onde jazia o corpo sem vida, disse que por volta das 5 horas quando a sua esposa saiu para varrer em frente do seu quintal do lado da rua, viu um corpo encoberto por um plástico. Logo de seguida a senhora tratou de comunicar o caso ao seu marido (Neto), este que imediatamente fez-se ao local e de facto verificou o corpo do indivíduo que aparenta estar na faixa dos 40 a 50 anos.
“Quando aproximei-me vi que o corpo estava nu, disfarçado apenas por um plástico transparente. Também tratei de informar os vizinhos e o chefe de quarteirão sob cuja jurisdição jazia o corpo e, depois fui participar o caso junto a 6ª Esquadra da PRM do Infulene”, afirma ajuntando que o oficial de permanência ligou imediatamente para o comandante daquela estância policial, este que também fez a questão de ligar à brigada técnica da Polícia de Investigação Criminal (PIC) de maneiras a se fazer ao local da ocorrência.
A polícia e os atrasos de sempre
Nos meandros da polícia moçambicana não se pode falar de pontualidade, eles (os agentes) devem usar um relógio cujos ponteiros funcionam de maneira diametralmente exposta aos fusos horários neste país. Até às 7 horas o caso já era do domínio da polícia da 6ª Esquadra do Infulene cujo local da ocorrência faz parte da sua área jurisdicional.
“Eles disseram-me que podia voltar à casa e em no máximo 30 minutos a equipe técnica já estaria no local para fazer as diligências”, diz Neto.
A nossa reportagem fez-se ao local onde jazia o corpo até pouco antes das 7 horas, na expectativa de ver os homens da PIC o mais rápido possível, mas debalde. A brigada técnica da PIC só apareceu no local às 9h30, depois de volvidas aproximadamente 3 horas.
Que se o diga em abono a verdade, até pouco antes das 7 horas desta manhã, a vítima respirava, ou seja, estava em vida, embora que num estado grave, uma vez que apresentava grandes sinais de agressões físicas, incluindo traumatismos cranianos. Se tivesse tido socorros em tempo real, eventualmente o caso não chegaria aquela extremidade.
A população por um lado quando o visse a palmar as mãos por causa das moscas que teimavam em pousar sobre si, alguns chegaram a pensar que ele estivesse embriagado, quando na verdade não, ressentia-se do espancamento que sofrera e que talvez uma pronta intervenção da polícia ou dos moradores seria suficiente para salvar a sua vida.
Portanto, estamos perante uma situação em que o indivíduo, diga-se doente mental espancado brutalmente, viu os últimos minutos da sua vida, ante um olhar sereno e insensível das pessoas. Mesmo antes de a vítima sucumbir, já o davam por morto, sem pouco se ter feito para evitar a tal morte.
Quatro horas de eterna tortura
Soubemos de alguns moradores do bairro Acordos de Lusaka que o indivíduo em causa terá sido torturado desde às 23 horas de quinta-feira até às 3 desta sexta. Afirmaram que tudo começou quando a vítima naquela noite sem nenhuma roupa no corpo foi se introduzir no interior de uma casa, pedindo um quarto para dormir, facto que deixou os jovens da referida residência em pânico, primeiro porque a vítima e desconhecida, segundo porque estava nua.
“Nós depois fomos acordar o nosso pai, juntamente com ele o retiramos do interior da casa e pusemo-lo na rua, uma acção que se fazia acompanhar por porradas. Depois apareceram algumas pessoas a gritarem ladrão, ladrão”, conta Nuno Miguel dos Santos de 16 anos.
Este jovem disse ainda que todos os que saíram naquela noite começaram a bater na vítima, uns pegavam nas garrafas de cerveja e atiravam na cabeça dele, outros pegavam em qualquer que fosse o objecto contundente para bater no indivíduo. Estas declarações tanto quanto outras a que tivemos acesso, deixam logo a priori a percepção de que se tratava de um indivíduo portador de doença mental (entenda-se maluco).
“Nós vimos este senhor a circular aqui na zona, ele não trazia roupa, de facto é um doente mental. Não chegou de roubar sequer alguma coisa, não bateu a ninguém. Apenas ele deixava as pessoas admiradas porque andava na via pública sem roupa”, ouvia-se paredes-meias.
A PIC já tem pistas para apanhar os autores do crime
Agentes da brigada técnica da Polícia de Investigação Criminal, disseram que tendo em conta as declarações prestadas por alguns moradores poderá se apanhar a veracidade dos factos, quem serão as pessoas que torturaram o indivíduo até a morte, mesmo sabendo que se tratava de um doente menta. Mais ainda, ele não roubou nada a ninguém, esse é um agravante. Uma senhora confessou que um dos seus filhos fez parte do grupo de jovens que torturaram brutalmente a vítima, ela inclusive mostrou à polícia a tal casa onde o indivíduo em causa terá entrado na calada da noite alegadamente pedindo lugar para dormir.
A equipe técnica foi à casa em alusão, onde não foram encontrados os donos, apenas estava o jovem Nuno Miguel que foi dito para prestar algumas declarações relativamente ao sucedido. Visto que havia fortes indícios do envolvimento do jovem no crime de tortura e assassinato, ele foi levado ao Comando Provincial de Maputo, para onde poderão ir todas as pessoas que directa ou indirectamente comparticiparam no crime.
“Este menino será a nossa grande pista, uma vez que nem o pai, nem a mãe não estão, nós vamos com ele ao comando para mais detalhes”, disse um agente da PIC.
Até a retirada da nossa reportagem do local ainda ninguém teria dito se conhecia a vítima, no entanto, aventa-se a possibilidade de se tratar de um indivíduo que residia num dos bairros circunvizinhos.