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Festival Marrabenta: “Perdemos o jogo, mas (mesmo assim) somos campeões!”

No último concerto do V Festival Marrabenta, decorrido na cidade da Beira no Dia dos Namorados, a música foi servida a uma temperatura artisticamente quente. No entanto, a ausência dos beirenses no espaço onde decorreu o evento – o Pavilhão dos Desportos da Ponta Gêa – foi a nódoa que encardiu a festa.

As últimas incidências da Festa da Música Popular Urbana Moçambicana, a Marrabenta, colocaram, até certo ponto, em dúvida as pretensões dos seus mentores. Diga-se, tornar a iniciativa num evento de cariz nacional. Por isso, é em ocasiões como estas que se pára para reflectir: “será que no futuro a organização do Festival Marrabenta conseguirá realizar este evento em todo o país?”.

Formular esta questão pode ser um acto imprudente porque coloca, em certa medida, em causa a capacidade laboral, criativa e de imaginação de quem aposta na ideia. Mas, mesmo assim, ao que tudo indica, desistir não é a solução.

Por isso “no próximo ano, vamos voltar à Beira. Levaremos o festival a todo o país”, dizia publicamente Stewart Sukuma em diálogo com o director do programa, Paulo David Sithoe (Litho), instantes depois de realizar uma brilhante actuação num concerto em que a ausência do público causou um desagrado geral.

As festas só o são quando existem convidados, da mesma forma, os espectáculos são feitos para o público. É por essas razões que aquele evento, caso for lembrado no futuro será com algum sentimento de pesar. Sem a participação do público os eventos culturais não são diferentes de um corpo sem vida. São inertes. Por isso, o melhor que há a fazer é esquecer tais eventos, utilizar as lições que deles se aprenderam para evitá-los no futuro.

De qualquer modo, importa invocar alguns factores que tornaram aquele concerto, desenhado especialmente para os namorados, num fracasso em termos de visibilidade.

Acredita-se que a mudança súbita da data inicial (11 de Fevereiro) na qual o evento havia sido programado para o dia 14, ou seja, de domingo para Terça-feira, um dia que, apesar de ser considerado de São Valentim, complicou as actividades do festival.

Mas, acima de tudo, a falta de uma forte campanha propagandística sobre o evento, com aplicação de todos os meios de comunicação – tradicionais e modernos – para a divulgação e promoção da iniciativa determinou a indiferença dos populares. Em resultado disso, as expectativas de muita gente (inclusive da organização) em relação à primeira visita da caravana do Festival Marrabenta foram goradas. Esperava-se que a festa da Beira tivesse sido apoteótica e triunfal.

@Veradde, que esteve no local, assim que chegou (às 13.00h do dia 14) à Ponta Gêa – ido com a Banda Nkhuvu – preocupou-se em percorrer os arredores da cidade com a finalidade de conhecer o ambiente local e o nível da popularidade que o festival possuía em relação ao público.

No entanto, o que encontrou foram pessoas – essencialmente – sem informação e, outras ainda aparentemente com conhecimento mas mesmo assim indiferentes relativamente à iniciativa.

Diante de todas estas evidências, contactámos o célebre músico moçambicano, Jorge Mamade, a quem coube a promoção do evento, a escolha do local onde o concerto foi realizado, assim como o valor (100 meticais) do ingresso no recinto do espectáculo para perceber a sua opinião ou previsão do que cerca de duas horas depois iria acontecer.

Refira-se que, em princípio, o evento havia sido marcado para arrancar às 18.30h mas, timidamente, só iniciou às 21.00h. Paralelamente a isso, sabe-se que a sugestão em relação à data foi feita pelo criador da música Caranguejo, Stewart Sukuma, na crença de que seria a festa dos namorados.

Definitivamente “a publicidade foi fraca”, assume Jorge Mamade

O trabalho de divulgação e de promoção do evento, que se havia feito previamente, não permitiu ao músico moçambicano, Jorge Mamade, prever um cenário pitoresco do que seria o evento. Na verdade, era como se estivesse a profetizar um insucesso em relação ao concerto naquela noite.

Foi por essa razão que, num contacto directo com @Verdade, Mamade chegou a dizer que “a publicidade foi muito fraca. Neste sentido, eu sempre entrei em contacto com Litho a fim de alertá-lo para a necessidade de se dinamizar mais o sector”. Foi nesse sentido que “foi transferido um valor ínfimo de sete mil meticais para responder às necessidades da divulgação e promoção do evento”.

Mas, em contra-censo ao sucedido, na compreensão de Jorge Mamade, “não é isso que devia acontecer. Sobretudo quando se trata de um concerto tão grande como o do Festival Marrabenta”.

Segundo o interlocutor, parte da informação foi divulgada por meio de pequenos panfletos. Outra ainda através de duas entrevistas cedidas à Rádio Cidade da Beira, nos dias 11 e 14 de Fevereiro corrente.

A grande dúvida

Enquanto isso, no espaço em que nos encontrávamos – nas proximidades da bilheteira -, faltando muito pouco tempo para o concerto arrancar, nenhuma pessoa se dispunha a comprar o ingresso. E a grande dúvida ia-se instalando na mente dos promotores da iniciativa: “será que as pessoas vêm ou não?”. Pior ainda, noutras criava um clima de mal-estar.

A intervenção de Jorge Mamade naquele momento não escondeu o seu receio. “Penso que as pessoas têm a informação. O que eu não sei é se elas vêm ou não, devido ao dia em que nós nos encontramos (terça–feira)”.

Opinião contrária

Em certa ocasião, Mamade chegou a expressar uma opinião contrária à dos seus parceiros. Sobretudo em relação às condições pré-estabelecidas para o acesso do público ao local.

“Se a entrada das pessoas fosse gratuita – como aconteceu na Matola, Marracuene e Gaza – teria sido muito melhor. Os populares iriam fazer-se com muita avidez ao espectáculo”. É que, no entender de Mamade, “uma vez que estão associadas ao evento grandes empresas nacionais ? o BCI e a mcel ? que financiaram a organização para movimentar o material às diversas regiões do país, penso que não terão deixado de lado o público”.

Na visão de Mamade, o facto de que até às 18.00h alguns artistas locais da Beira já se fizessem presentes no pavilhão, ao mesmo tempo que não podiam actuar devido à ausência do público foi uma consequência dos maus precedentes de falámos.

Defender o povo

A nossa experiência em relação aos apetites do povo no tocante aos concertos musicais impele-nos a afirmar que os populares – mesmo que não tenham dinheiro – se deslocam às proximidades dos grandes palcos das actividades culturais para, pelos menos, testemunhar a ocorrência de certa forma. Isso, na Beira não aconteceu.

Na verdade, os beirenses não foram ao local não obstante os grandes nomes da canção moçambicana – Madala, Jorge Mamade, Stewar Sukuma & Banda Nkhuvu – além de tantos outros (António Estima, Helena Macamo, João Sutho e a Banda Mitchitchi) que haviam sido alistados para realizar um concerto memorável.

E mais, todas as condições – equipamento sonoro de qualidade sofisticada, um espaço aprazível e enorme para acolher o povo e realizar uma enorme festa popular – haviam sido criadas.

Mas nem por isso, o aspecto endógeno do pavilhão (sem gente), assim como o exterior caracterizado pela presença de muito poucas pessoas, um clima desanimador. Aliás, as pessoas que ficaram mais constrangidas perante a situação foram os vendedores que tomaram de assalto as bermas do pavilhão para dar corpo à actividade comercial.

Nessa altura, para nós, ficou claro que, sem dinamismo cultural, a economia não pode crescer em nenhum lugar do país.

Uma quantidade enorme de produtos alimentares, não comprada, foi restituída à sua origem. Acredita-se que, caso os proprietários dos referidos bens não os tenham consumido, devem ter apodrecido.

Diante de todas estas peripécias, nada mais nos restava senão reconhecermos que nós, do @Verdade, estávamos perante um povo moçambicano diferente e, até certo ponto, com características muito peculiares, os beirenses.

De qualquer modo, para Mamade nada seria melhor do que partir em defesa do povo. Por isso “penso que o problema não é que o povo não se quis fazer presente neste local. O facto de hoje ser o Dia dos Namorados faz com que haja eventuais colisões entre os (seus) programas, previamente feitos, com este que surgiu de repente”. Até porque, segundo Mamade, “é possível que as pessoas ainda não tenham dinheiro para participar no festival”.

“Nem tudo dependia de mim”

Quisemos avaliar a situação em função do dinamismo das actividades culturais na cidade da Beira. Neste ponto, ficámos com a impressão de que – a serem verosímeis as palavras de Jorge Mamade – a dinâmica dos eventos culturais local não podia influenciar negativamente.

Até porque, “nesta cidade o movimento cultural é muito bom. Os beirenses são pessoas muito receptivas”. O que sucede é que elas “precisam de ser informadas com muita antecedência sobre os acontecimentos”.

No caso do Festival Marrabenta “sempre estive em contacto com o seu director no sentido de se fazer a devida promoção. Mas quando se disponibilizou o valor para se financiar a publicidade radiofónica já era tarde. Mas (também) penso que a mesma publicidade devia ter passado nas televisões. Eu não sei se algum spot de publicidade chegou a ser teledifundido”.

Como tal, “acredito que eu não sou culpado pelo facto de as coisas estarem como estão. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para que o evento ganhasse boa visibilidade”. E mais, “eu não podia comprometer-me com as Rádios, no sentido de garantir a inserção dos spots publicitários numa situação em que ? caso não se pagasse o valor ? os problemas sobrariam para mim”.

“A boa imagem do Festival Marrabenta, na cidade da Beira, não dependia somente de mim. Muitos outros factores falharam”, conclui Mamade.

O concerto

Porque, efectivamente, os mentores do Festival Marrabenta haviam reservado o Dia dos Namorados para realizar o último concerto da V edição, o contrário não devia acontecer. Por isso, mesmo naquele ambiente – típico dos desertos, entre outros lugares inóspitos – o concerto arrancou com a actuação da banda Mitchitchi. Encontravam-se no meio do pavilhão perto de 50 pessoas, das 65 que pagaram pelo ingresso. O grupo deu o seu máximo. Demonstrou algum domínio na arte de cantar, de tal sorte que despertou a atenção das pessoas.

Quando este grupo “abandonou” o palco, as poucas pessoas que se movimentavam no meio do pavilhão saíram.

“Foi como se a loucura se tivesse apoderado de João Sutho, o artista que sucedeu à banda Mitchitchi. Cantou, dançou para si mesmo”. O autor destas linhas publicava esta informação em tempo real por meio da rede social Twitter, assim como a imagem que comprova isso.

Vale a pena referir que nos servimos ainda do Twitter para – naquele dia – informar aos nossos leitores que aquelas imagens (captadas por um telefone) e a informação que contêm, uma vez publicadas, poderiam de certa forma condicionar o nosso regresso a Maputo. Afinal, o nosso transporte, a estada, a alimentação, tudo foi financiado pela produção do evento.

Por motivos organizacionais, alguns artistas (Madala, António Estima, Helena Macamo, Paula Agusto, por exemplo,) não actuaram. Outros ainda, constrangidos pelos acontecimentos, abandonaram o local.

Stewart Sukuma

“Nós fizemos uma longa viagem, difícil e dura para cantar especialmente para vocês. Vamos fazer este concerto da mesma forma que o faríamos se estivessem aqui dez mil pessoas. Não nos importa se vocês estão em número reduzido. Queremos que as pessoas que não vieram se arrependam por não serem parte desta experiência”, dizia Stewart Sukuma que na altura dava um novo alento à festa. Foi nessa altura que o Festival Marrabenta – diga-se, à beira de jazer na Beira – ressuscitou de verdade.

Litho

Entretanto, em certo sentido, comentando no dia do espectáculo acerca das ocorrências, o director do Festival Marrabenta, Paulo David Sithoe fez o resumo seguinte:

“Não posso esconder que estou bastante incomodado com a situação! Sabes que eu gosto de eventos populares. Teoricamente, quem é da terra conhece melhor a sua casa que o visitante. No entanto, na realidade não é assim, o futebol é prova disso. Os melhores treinadores às vezes são os estrangeiros. Que este evento nos sirva de lição”.

Mais adiante, Paulo David Sithoe disse que, caso as suposições segundo as quais o que falhou foi a campanha publicitária sejam verdadeiras, “eu assumo a culpa. Terei como remediar no futuro porque terei encontrado a solução. Da próxima vez teremos público”.

E mais, para Litho, “os políticos também batem-se com a abstinência”. Por isso, o problema não esteve no preço, mas sim “em quem conhece o seu público ou eleitor. O produtor local – Jorge Mamade – sugeriu o espaço e o preço. O Stewart a data. Nós, como sabemos, fizemos o evento acontecer. Em actividades como estas a produção não pode fazer tudo sozinha. Por vezes deve entregar as pastas a determinadas pessoas”. As equipas perdem os jogos. Nós perdemos esta partida, mas somos campeões mesmo assim”, disse Litho engolindo em seco.

Foi assim como se encerrou o V Festival Marrabenta cujo mérito foi alargar a sua área de influência para dois novos pontos do país – Inhambane e Beira; ter realizado e apresentado (passados 40 anos) a peça teatral “O Lobolo e as 30 Mulheres de Muzeleni” de um dos mais célebres dramaturgos moçambicanos, Lindo Nlhongo; ter trazido a Maputo as rainhas da música sul-africana, as Mahotella Queens.

Um movimento que apesar de todas as dificuldades teima em hastear a música ligeira e tradicional moçambicana no mundo, dinamizando os seus mentores e, por conseguinte, mostrar que Moçambique é um país que possui uma diversidade cultural forte e extraordinária ainda por descobrir.

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