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O submundo de táxis em Nampula

O submundo de táxis em Nampula

O elevado número de passageiros que precisa de um táxi na cidade de Nampula faz crescer de forma impressionante a cifra de operadores clandestinos, que prosperam – ainda que informalmente -, facturando milhares de meticais, e vão ganhando o rosto da normalidade a cada novo dia, sob o olhar complacente das autoridades municipais. Mas, como em qualquer situação complexa, neste caso, a galopante procura pelos serviços de táxi não é o único motivo para a clandestinidade. Os outros três principais são: a falta de fiscalização, impostos e mais impostos.

O taxista João*, de 39 anos de idade, trabalhou durante nove anos como condutor de camião de transporte de mercadorias para realizar um sonho: comprar uma viatura própria usada de marca Toyota Sprinter, ao preço de 120 mil meticais e entrar para o promissor mercado de táxi na cidade de Nampula.

Para adquirir o carro que custava pouco mais de 30 vezes o seu rendimento mensal, de 4.500MT, precisou de poupar quase todo o seu salário por mês. “Vivia apenas com o dinheiro que obtinha nos biscates que fazia, pois uma boa parte do meu rendimento guardava no banco. Algumas vezes depositava dois mil e quinhentos meticais e, noutras, três e meio”, conta.

Foram necessários aproximadamente seis anos de muito sacrifício para juntar os 120 mil meticais e, para tal, teve de contar com a compreensão da sua família constituída na altura por quatro pessoas, que tiveram de passar por algumas privações como, por exemplo, o drama de não ter o que comer.

“Tentei obter um empréstimo bancário, mas não tive sucesso porque eles precisavam de uma garantia minha de que ia reembolsar o dinheiro”, afi rma. Há quase dois anos e meio, João abandonou a sua terra natal (cidade de Pemba) e o seu emprego como camionista para começar uma nova vida na capital do norte.

Em Nampula, o resultado não foi o esperado, pois as coisas não eram tão simples como imaginava. Comprou a viatura para começar a actividade e esqueceu-se do essencial: guardar dinheiro para obter a licença para operar como taxista. Na altura, era necessário em todo o processo despender perto de cinco mil meticais, além da obrigatoriedade de se filiar à associação dos transportadores.

Sem dinheiro para o efeito, João decidiu exercer a actividade clandestinamente com a ideia inicial de juntar algum valor para obter a licença posteriormente. Porém, com o andar do tempo, ele foi ganhando o gosto e, consequentemente, a intenção de licenciamento do veículo evaporou da sua mente, apesar de presentemente facturar, em média, 10 mil meticais por mês – duas vezes mais do que a sua renda anterior, de 4.500 como camionista. Já lá se vão dois anos e não passa pela sua cabeça licenciar a sua viatura. “O meu sonho é comprar um camião para fazer fretes e, fazendo táxi, estou muito perto de realizar esse desejo”, comenta.

O seu principal ponto é o bairro de Muhala-Expansão, próximo de um terminal rodoviário, operando sobretudo durante as noites. É a partir desse local que João sai em busca do pão do dia-a-dia. “Quando a polícia municipal chega dizemos que não estamos a fazer táxi, apenas estão (os táxis) estacionados à espera de alguém”. Esta é a desculpa que é frequentemente usada para escapar das autoridades municipais.

O caso de João não é isolado. Dezenas de taxistas clandestinos circulam com as suas viaturas pela cidade de Nampula, de lés a lés, tanto no período de dia como à noite, perante a indiferença das autoridades municipais locais. E o mais caricato: têm um ponto fixo.

“Grande parte dos taxistas desta cidade não tem licença e, em cada ponto, há pelo menos três clandestinos a trabalharem à vontade e, muitas vezes, protegidos por aqueles que exercem a actividade formalmente. Aliás, essa situação é do conhecimento de todos os operadores e da polícia municipal também, mas, e apesar disso, não há fi scalização. Muitas vezes, quando as pessoas são apanhadas, elas subornam o agente e continuam a trabalhar. Portanto, não vejo a importância do licenciamento”, justifica-se João.

À margem da formalidade

Durante uma semana e meia, @ Verdade mergulhou no nevoeiro que encobre essa questão com o intuito de desvendar a volúpia com que o crescente número de operadores opta pela clandestinidade.

Conversámos com sete taxistas, cinco dos quais clandestinos (incluindo um empregador), e constatámos que neste campo, onde o jogo é outro – e as regras também -, há questões que vão para além da simples fuga ao fisco.

Em suma, a necessidade de ganhar dinheiro para garantir o sustento da sua família é a justifi cação mais automática dos condutores para essa situação.

Num mercado no qual a polícia municipal é quase inoperante, os taxistas clandestinos são simultaneamente jogadores, árbitros e, como se não bastasse, têm a liberdade de mexer nas dimensões das balizas e do campo. Ou seja, são eles próprios que definem o preço e ponto de trabalho, reinando uma verdadeira anarquia sem precedentes.

Estacionados em diferentes pontos de táxi, nomeadamente próximo de hospitais, hotéis e pensões, e de algumas zonas estratégicas como os mercados, estação e os terminais rodoviários, os operadores legais e clandestinos disputam a mesma clientela, numa tremenda concorrência desleal, tanto à luz do dia como durante a noite.

Se durante o dia o número de táxis clandestinos já é preocupante, à noite a situação torna-se ainda mais alarmante, pois é nesse período, normalmente a partir das 19h00, que os transportes urbanos, os semicolectivos de passageiros, vulgo “chapas”, cessam as suas actividades, não restando muitas opções para quem pretende deslocar- se senão apanhar um táxi ou andar a pé.

Paulo Jamisse, de 41 anos de idade, seis dos quais como taxista, sente- -se prejudicado com a actividade desse grupo de taxistas clandestinos. Conhece-os quase todos, mas não os denuncia, porque se tornaram seus amigos, pessoas com quem conversa enquanto espera por um passageiro.

Ele não tem ponto fixo, desdobra-se entre a proximidade do Hospital Central de Nampula e os diversos pontos ao longo da Avenida Paulo Samuel Khamkomba. Porém, lança a culpa para as autoridades municipais pela proliferação de “taxistas piratas” que emergem a cada dia, e não só.

“A culpa não é só da polícia camarária, nós que exercemos legalmente esta actividade também somos cúmplices nessa história. Sabemos que o fulano X não tem licença, porém, defendemo-lo quando chega um agente do município e no final do dia saímos prejudicados”, afirma e explica: “pois todos os anos temos de renovar a licença que custa mais de cinco mil meticais”.

Recusa-se a revelar o montante que factura por mês, mas acrescenta que, caso não houvesse taxistas em condições ilegais, a sua receita seria considerável.

Ostentando um boné de cor azul e uma camiseta amarela, José*, de 28 anos de idade, aguarda pela clientela deitado no assento traseiro da sua viatura, uma Toyota Corolla de cor azul-escura, estacionada num terminal rodoviário, localizado ao longo da Avenida do Trabalho, conhecido por “Padaria Nampula”, devendo o epíteto a uma padaria localizada nas imediações.

Quando se apercebe da aproximação de potenciais clientes, ele levanta-se e perscruta. “Táxi, táxi”, grita pausadamente, apesar de o veículo não dispor de identificação na parte exterior, à semelhança de outras centenas que circulam pela cidade.

Geralmente, a partir daquele ponto da cidade para o bairro de Muhavire, o preço parte de 100 a 150 meticais. Porém, José aceita levar-nos por apenas 60 meticais. Pelo caminho, decidimos meter dois dedos de conversa, questionando sobre o facto de a viatura não dispor de algo que a identifi ca como táxi. A resposta surgiu, com um misto de desconfi ança, depois de alguma hesitação: “Além de fazer táxi, também uso o carro para questões pessoais, como sair com a família”.

Há aproximadamente quatro anos, José prospera clandestinamente no mercado de táxi em Nampula. A falta de emprego levou-o a abraçar a actividade. Começou por trabalhar para terceiros e, hoje, conduz a sua própria viatura. Em média, a sua receita varia entre mil e quinhentos e dois mil meticais por dia, valor com o qual garante o sustento do seu agregado familiar.

“Temos família por sustentar e, muitas vezes, esse negócio não compensa, pois temos despesas com o combustível e a manutenção. Por exemplo, por dia compramos gasolina de 600 meticais e facturamos apenas mil”, diz e conclui: “assim torna-se difícil todos os anos obter a licença, que custa cinco mil meticais”.

Em Agosto do ano passado (2011), Pedro*, de 27 anos de idade, viu a sua viatura que fazia táxi ilegalmente ser apreendida por um agente da polícia municipal quando perscrutava potenciais cliente na Avenida do Trabalho, próximo da padaria Sipal. Na altura, o veículo encontrava-se nas mãos de um seu novo trabalhador, que ignorou a regra número um dos clandestinos em caso de ser surpreendido: não discutir com o agente, mas sim negociar.

Tinha decorrido menos de um ano depois de Pedro colocar a sua viatura de marca Toyota Sprinter a fazer táxi. Se o primeiro trabalhador nunca foi surpreendido a exercer a actividade ilegalmente, o segundo não teve a mesma sorte. Recebeu uma multa de 12 mil meticais que devia ser paga dentro de 30 dias, caso contrário a mesma seria levada e vendida em hasta pública.

Mais tarde, depois de ter tentado sem sucesso recuperar o veículo por vias ilegais, conseguiu tê-lo de volta. Mas isso não foi argumento sufi ciente para ele desistir, presentemente prossegue clandestinamente empregando duas pessoas. “Onde vamos apanhar dinheiro para fazer o licenciamento?”, questiona, apesar de amealhar mil meticais por dia.

Obter de volta uma viatura apreendida, por ter sido encontrada a exercer serviço de táxi ilegalmente, nem sempre é difícil – que o diga António*, que já passou por isso trabalhando para um cidadão de origem asiática. Há três anos prestando serviços para a tal pessoa, António já teve o carro apreendido por duas vezes e sempre conseguiu recuperar através da amizade que fez com alguns agentes da polícia municipal.

Tendo como praça o bairro de Muhavire, próximo do prédio Comboio, António trabalha das 6h00 até as 20h00 e tem de amealhar mil meticais para o patrão diariamente, e o resto do valor é o seu pagamento. Com uma família por sustentar, muitas vezes tem de se contentar com 300 meticais, quando muito consegue 500, montante do qual tem de retirar algum para o combustível.

Quanto custa licenciar um táxi?

A falta de uma fiscalização eficiente contribui para o aumento de táxis clandestinos, e não só. Alguns dos operadores que conversaram com o @Verdade olham para o excesso de burocracia e o valor exigido para o licenciamento duma viatura como sendo os principais factores que os levam à clandestinidade.

Para obter a licença é necessário apresentar fotocópias do livrete e título de propriedade do veículo. É obrigatório que a viatura tenha seguro. Tem de se pagar uma taxa de 4750 meticais, e posteriormente tem de se levar o carro para que seja pintado de modo a ser identificado como táxi. Todo o processo chega a custar mais de seis mil meticais e todos os anos deve-se renovar a licença.

*Nomes ctícios

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