Da tragédia da ineficácia do sistema de saneamento do meio ao drama das chuvas, Maputo continua a combater os efeitos ignorando as causas.
Quando parece que Maputo caminha rumo à prosperidade, a chuva trata de mostrar que a capital do país desandou o caminho que levou a que lhe baptizassem “Pérola do Índico”. Em dois dias em Maputo caíram 295.5 milímetros de água. Cerca de 300 litros por cada metro quadrado dos seus 346.000,77m2.Um autêntico dilúvio para uma cidade que cresceu na desordem e que conta com um sistema de esgotos que só por eufemismo pode ser considerado como tal. Os bairros periféricos assistiram a casas a ruir diante da fúria das águas.
Pairou no ar a sensação de tristeza provocada pelas cheias registadas na entrada do novo milénio, o ano 2000, nas quais dezenas de milhares de famílias ficaram desalojadas, perderam os seus familiares, sobretudo crianças, e bens arrastados pela corrente das águas.
As chuvas registadas, nesta semana, foram as primeiras de 2012 na província de Maputo. Tudo começou na manhã desta segunda-feira com chuva miudinha. A situação começou a piorar ao cair do dia e agravou-se na Terça-feira. As consequências não foram para menos, várias famílias ficaram desalojadas, perderam os seus bens e outras dormiram ao relento.
Numa ronda efectuada pela nossa reportagem, na tarde desta terça-feira, pouco depois de a chuva ter abrandado, fomos brindados pelos estragos deixados pelas chuvas.
No bairro de Khongolote, algures no município da Matola, as ruas ficaram totalmente alagadas, dificultando, assim, a circulação tanto de pessoas como de viaturas. Nas residências, assistia-se a um triste cenário, e houve famílias que durante aquela noite chuvosa não dormiram, pois as suas casas cederam à entrada da água e vários quintais viraram autênticas lagoas.
Uma chuva devastadora
Mateus Benjamim é uma das tristes faces das sequelas deixadas pelas chuvas torrenciais. A sua casa de construção precária desabou parcialmente, os seus parcos haveres foram arrastados pelas águas pluviais, os seus dois filhos de 3 e 5 anos de idade dormiram no colo da mãe e da irmã mais velha, enquanto estas permaneciam de pé.
“A chuva entrava pelo tecto e pelo chão devido à humidade, uma vez que o piso da casa não está pavimentado, outra parte vinha do interior do quintal, pois estava todo alagado”, conta para depois acrescentar que alguns bens que lhe custaram anos de sacrifício ficaram destruídos, sobretudo os electrodomésticos e uma aparelhagem sonora que flutuavam no interior da casa.
Ainda naquele bairro, visitámos a residência de uma idosa que nesse minúsculo cubículo vive com a sua neta de aparentemente 7 anos de idade. Não precisava que fosse uma forte chuva com ventos moderados a fortes para o desabamento da referida moradia que já estava numa posição oblíqua, deixando assim o prenúncio de uma iminente queda. Quis o destino que as chuvas torrenciais desta semana deixassem ao relento a vovó Joana e mãezinha, sua neta.
Quis também a ironia do destino que os parcos bens desta humilde velha fossem destruídos pelas águas: as mantas, a pequena esteira onde se deita à espera de um sono que tarda em chegar, as suas roupas como as da sua netinha não escaparam à fúria das águas, os cadernos e outro tipo de material escolar que havia comprado para a menina que almeja ser enfermeira já deixaram de ter utilidade, mesmo antes de ser usados.
“Agora eu não sei o que fazer, a minha pequena casa foi destruída pelas chuvas, os meus poucos bens e material escolar da minha neta também foram devastados pela fúria implacável das águas”, conta para depois acrescentar que hoje (terça-feira) corre o risco de dormir juntamente com a sua sobrinha a céu aberto, expostas às intempéries da mãe natureza, a não ser que apareça um vizinho a oferecer pelo menos um espaço para dormir e ver o dia passar, na esperança de reiniciar a sua vida.
Cinturão verde engolido pelas águas
No Vale do Infulene, uma zona que faz limite a oeste com a cidade de Maputo, as machambas existentes naquela zona baixa e bem abaixo do nível das águas, a situação revelou-se bastante desoladora. Os canteiros, que antes apresentavam uma variedade de hortas, foram devastados pelas águas, os viveiros não escaparam à fúria das chuvas. O sentimento dos camponeses ou dos proprietários daquelas machambas foi comum: o que fazer depois desta desgraça da mãe natureza. Todo o esforço, desde a sacha até a sementeira, empreendido nos últimos dias, redundou num fracasso.
Entretanto, já há muito que os camponeses faziam orações e pedidos para a queda da chuva, uma vez que as altas temperaturas davam cabo das culturas, não só no cinturão verde do Infulene, como também noutros cantos do país. Porque tudo em excesso prejudica, a chuva foi demasiada que só trouxe uma vaga de desgraças, destruindo aquilo que por um lado serve de subsistência familiar e por outro para venda.
A zona do vale do Infulene foi sempre propensa às chuvas, ciclicamente sofre os efeitos nefastos da pluviosidade, mas por se afigurar uma zona fértil e propícia para a prática da agricultura, os camponeses que usufruem das benfeitorias daquelas terras nunca arredam pé, ainda que afectados, continuam a produzir, mesmo com os riscos que correm.
Maria Saveca, de 46 anos de idade, cultiva no vale do Infulene deste o ano passado, num espaço de 20 canteiros arrendados, “para mim, esta foi uma triste experiência , gastei muito dinheiro comprando viveiros, estrumes e outros produtos químicos para pôr na minha machamba. Mas, todo o sacrifício que fiz redundou num fracasso, voltei à estaca zero”, comenta ajuntando de seguida que doravante não sabe o que fazer para reiniciar o seu trabalho agrícola, cujas culturas por um lado servem para o consumo familiar e por outro para comercialização nos mercados da cidade de Maputo e Matola.
Quando Maputo muda de rosto
No centro da cidade de Maputo, ou seja, na zona de cimento, os efeitos das chuvas dos últimos dias não foram iguais em todos os bairros da periferia da cidade. No bairro Chamanculo C, cuja tónica é o desordenamento territorial, provocado pela falta de parcelamento, o cenário era quase que irresistível. As ruas ficaram total ou parcialmente intransitáveis, as casas construídas, diga-se, de forma desordenada não passavam de piscinas e os quintais de lagoas.
A noite de segunda para terça-feira não foi igual às outras, muitas famílias dormiram por cima das mesas, umas em pé e outras sentadas, o mais agravante de olhos abertos, com o receio de ser engolidas pelas águas pluviais acompanhadas das libertadas pelas fossas.
Aliás, existem daquelas pessoas que mesmo tendo as suas fossas cheias, esperam pela queda da chuva para abri-las e deixar toda a imundice imiscuir-se nas águas pluviais como se de águas das chuvas se tratasse. Um acto cujas consequências são de esperar: doenças diarreicas e respiratórias que têm como principais vítimas as crianças que inocentemente brincam nas poças de água que ficam depois das chuvas.
A nossa reportagem teve que se despir de alguns preconceitos para enfrentar algumas realidades humanamente inaceitáveis. Ao longo das nossas incursões pelo bairro adentro visitámos uma casa do tipo 2 com uma casa de banho de construção precária revestida nas laterais de sacos velhos e rotos.
É exactamente ali onde um agregado familiar de 6 membros cuida da sua higiene, se assim se pode dizer, pois a dita casa de banho não passa de um espaço sem condições mínimas para exercer tal função.
A coisa mais parecida com uma pia é um buraco no chão, qual colónia de moscas e outros vermes. Os recipientes usados para tomar banho são duas latas velhas, uma de 20 litros e a outra é um recipiente de leite.