O Congresso Nacional Africano comemora 100 anos de existência envolvido em embaraçosos casos de corrupção. As desigualdades sociais e a pobreza persistem. Descontentamento popular cresce.
O “Congresso Nacional Africano”, partido político sul-africano conhecido pela sigla ANC, nasceu em Bloemfontein no dia 8 de janeiro de 1912, sendo atualmente o movimento de libertação mais antigo do continente africano.
Os fundadores eram maioritariamente intelectuais e representantes de organizações populares e da igreja. Na época o movimento foi batizado de South African Native National Congress, passando a denominar-se African National Congress (ANC) a partir de 1923.
Dennis Golberg, membro do ANC, explica que à data da fundação o objetivo dos fundadores era garantir direitos de cidadania e igualdade de direitos entre brancos e negros. “Primeiro – precisou Goldberg – havia a separação da sociedade por etnia, instituída pelos britânicos. Depois das eleições de 1948, a separação ficou ainda mais forte. Havia repressão. Trabalhadores negros eram bastante explorados. O ANC defendeu, então, que a África do Sul pertencia a todos. Negros e brancos. Juntos!”
O legado de Mandela
O ANC logrou obter alguma relevância política apenas a seguir à Segunda Guerra mundial. Nas décadas de 40 e 50 começaram a ser organizadas as primeiras greves e boicotes ao mesmo tempo que crescia, gradualmente, a resistência pacífica aos decretos segregacionistas instituídos pelo governo. Em 1960, cessaram os protestos pacíficos após a polícia ter reprimido violentamente uma manifestação e ter liquidado a tiro 69 ativistas que reivindicavam direitos iguais entre brancos e negros. Este dia, 21 de março de 1960, ficou marcado na história mundial como o Massacre de Sharpeville.
O ANC foi proibido e passou à clandestinidade. O seu mais destacado dirigente, o advogado Nelson Mandela, decide intensificar a luta e funda a organização paramilitar do Congresso Nacional Africano. “No princípio – recorda Mandela – os líderes do ANC estavam contra a criação do braço armado, mas eu achava que, na época, o governo não nos deixava outra alternativa.”
Em 1963, o regime do apartheid consegue prender Mandela e outros dirigentes do ANC. Os tribunais brancos desferiram um profundo golpe na organização ao sentenciarem todos com penas de prisão perpétua.
Liberdades e dificuldades
Oliver Tambo, na altura presidente do Congresso Nacional Africano é exilado em Londres. De lá, ele organiza protestos internacionais contra o regime segregacionista branco. A importância e eficácia política das ações de Tambo só foram reconhecidas pelo governo de Pretória em 1990, quando decidiu aprovar a libertação de Mandela.
Em 1994, o ANC venceu claramente as primeiras eleições democráticas realizadas na África do Sul com mais de 60% dos votos e Mandela passou a ser o primeiro presidente negro eleito da África do Sul. A resolução das desigualdades económicas entre brancos e negros, a corrupção e o tráfico de influências, o surgimento da pandemia HIV/SIDA e a explosão dos já elevados índices de criminalidade dificultaram a tarefa de Mandela e dos seus correlegionários.
Em outubro de 2011, o atual presidente sul africano Jacob Zuma demitiu dois ministros e suspendeu um chefe de polícia por suspeita de corrupção. Ainda assim, o governo do ANC tudo fez para que a comemoração dos 100 anos do Congresso Nacional Africano seja grandiosa e colorida. Porém, não conseguirá esconder que a frustração cresce no país e que o legado de Nelson Mandela, líder incontestado e respeitado interna e mundialmente, se torna cada vez mais pesado para os atuais líderes negros sul-africanos.
Sacrifício de animais abre mais um dia de comemorações
Este sábado de madrugada, o sacrifício de um touro, duas cabras e duas galinhas para oferecer a seus ancestrais marcaram o início do terceiro dia das comemorações do centenário. Cerca de 20 sangomas(curandeiros tradicionais) procedentes de todas as regiões do país prepararam o sacrifício em um terreno baldio próximo à igreja de Bloemfontein, onde o ANC, que durante décadas lutou contra o apartheid, foi fundado. “Essas galinhas e essas cabras são o preâmbulo antes da cerimônia principal. Trata-se de purificar este lugar e de elevar o espírito do ANC”, explica Ntswaki Mahlaba, uma curandeira sotho, enquanto limpa os intestinos.
“O objetivo desta cerimônia é reunir os espíritos dos ancestrais, e especialmente os dos fundadores do ANC”, acrescenta Dra. Nkanyezi, uma colega tswana dos arredores de Pretória, cuja vestimenta mistura um imponente gorro coberto de espetos de porcos-espinhos, um enfeite de pérolas e uma camiseta com o retrato do presidente Jacob Zuma. “Estamos aqui para restaurar o espírito do ANC. É aqui que foi enterrado o cordão umbilical do movimento, hoje partido político,há cem anos”, explica. As quatro torres de resfriamento de uma antiga central térmica que predominam no cenário, foram cobertas com retratos dos sucessivos dirigentes do “movimento de libertação” mais antigo da África. Entre eles se encontram Oliver Tambo, Nelson Mandela e Jacob Zuma.
O touro negro, um presente do rei do Lesoto, Letsie III, é introduzido depois no “kraal”, o local do sacrifício. Depois pedem aos “camaradas dos meios de comunicação” que se afastem. Um cordão de policiais protege o caráter sagrado do ritual. “Isso não é Hollywood!”, grita o porta-voz do partido, Jackson Mthembu, aos jornalistas mais curiosos. “Isso é muito, muito importante para o ANC. Devem respeitá-lo”, insiste.