Quando se espera que a (nossa) polícia dê motivos para que os moçambicanos passem a acreditar nela, esta nada mais faz senão continuar a perpetuar o espírito de irresponsabilidade, falta de sensibilidade e de humanismo que sempre a caracterizaram.
No último domingo, um indivíduo aparentando ter mais de 40 anos, cuja identidade não nos foi possível apurar, perdeu os sentidos em plena avenida do Trabalho, próximo ao mercado Fajardo, por volta das sete horas da manhã. Testemunhas contam que o mesmo foi visto a consumir uma bebida denominada Double Punch.
As pessoas, como era de se esperar, trataram de participar o caso à polícia, mais concretamente ao posto policial do mercado e à 7ª Esquadra, esta última localizada na zona da Estátua de Eduardo Mondlane. Ambos (o posto policial e a esquadra) distam a menos de 500 metros do local da ocorrência.
A polícia foi contactada mais de duas vezes, mas a resposta que esta dava era sempre a mesma: “estamos a caminho, ainda estamos à espera da viatura que está no terreno”.
Por desconhecerem as causas que levaram o indivíduo a perder os sentidos e por acreditar na boa fé (?) das autoridades (policiais), eles não o tocaram, apenas limitaram-se a observá-lo, debaixo do calor escaldante que se fazia sentir naquele dia.
Henriques Baptista foi quem se dirigiu à 7ª esquadra por volta das 19 horas para participar o caso. “O agente que me atendeu disse que havia de mandar uma viatura. Foi muito rápido, nem se deu ao trabalho de registar a ocorrência.
Devido à demora, às 21 horas pedi ao meu vizinho para que fosse de novo à esquadra. Quando lá chegou, disseram-no que já tinham conhecimento e que só estavam à espera da viatura”, conta.
Mas antes de se dirigir à 7ª esquadra, Henriques Baptista diz ter ido ao posto policial do mercado, mas “os guardas disseram-me que não atendiam a casos externos ao mercado, ou seja, de rua”. Questionado sobre os motivos que levaram os moradores daquele bairro a não prestarem socorro, uma vez que a polícia jamais aparecia, este disse que “como estava sob efeito do álcool, pensávamos que havia de recuperar.
É que há muitos jovens a consumir este tipo de bebida (referindo-se a bebidas secas) e torna-se difícil saber quando é que a pessoa necessita de ajuda, por isso contactámos a polícia”.
Acabou anoitecendo sem que a polícia desse “as caras” e, consequentemente, o indivíduo passou a noite de domingo ao relento e inconsciente. Quando os vendedores chegaram ao mercado encontraram o mesmo cenário que tinham deixado no dia anterior: a polícia não tinha cumprido a promessa que fizera e o indivíduo permanecia no local, intacto.
Só por volta das dez horas é que uma agente afecta ao posto policial do mercado do Fajardo, acompanhada de dois senhores ligados à segurança do mercado, se fez ao local. A primeira coisa que fez (a agente) foi limpar o rosto (do indivíduo) e deitá-lo um pouco de água. Ele já se encontrava debilitado e saía-lhe um líquido branco da boca.
Polícia sem meios (?)
Mas porque estes vieram sem meios (entenda-se, sem viatura), tiveram de pedir ajuda a um motorista que na altura se encontrava nas imediações do mercado. Este anuiu ao pedido e tratou, junto com a agente, de levar o indivíduo ao Hospital Geral de Chamanculo.
Mas já era tarde, ele perdeu a vida mesmo à entrada do hospital. O seu corpo nem chegou de ser retirado da viatura. E como regra, os hospitais não recebem cadáveres, estes devem ser encaminhados à morgue, neste caso do Hospital Central de Maputo. Mais uma vez, o “chapeiro” teve de pôr a viatura à disposição da polícia.
Por se tratar de um indivíduo desconhecido, pelo menos na zona do mercado Fajardo, o mais provável é que o seu corpo seja sepultado na vala comum, a menos que alguém apareça a reclamá-lo.
Facto curioso é que durante o tempo em que a nossa equipa de reportagem esteve no local, passaram duas viaturas da corporação, sem, no entanto, prestarem apoio, mesmo vendo a colega em “apuros”. O que estes fizeram foi simplesmente acenar-lhe a mão, como quem diz “bom trabalho”.
“Nós não trabalhamos aos fins-de-semana, por isso não o socorremos”
Após deixarem o corpo na morgue do HCM, a agente da PRM, que aceitou falar apenas na condição de anonimato, disse que o indivíduo não foi socorrido alegadamente porque “nós não trabalhamos aos fins-de-semana, trabalhamos de segunda à sexta e aos sábados saímos às 12. O mercado possui três forças, nomeadamente a PRM, a Polícia Municipal e o pessoal de segurança, esta última trabalha todos os dias”.
Quando questionada sobre os motivos que fizeram com que ele não fosse socorrido nas primeiras horas da segunda-feira, uma vez que a polícia chegou por volta das dez, esta foi peremptória: “Todos os agentes devem estar no Comando da Cidade para a formatura todas as segundas, por isso chegámos àquela hora”.
Comandante da 7ª Esquadra reconhece negligência
Por seu turno, o Comandante da 7ª Esquadra, Rafael Chabana, quando contactado pela nossa equipa de reportagem, reconhece ter havido negligência por parte do agente a quem foi participado o caso, pois, no seu entender, tudo dá a entender que a esquadra foi contactada.
“Se à segunda pessoa foi dito que a esquadra já tinha conhecimento, é sinal de que as pessoas participaram o caso”, disse. O mais caricato é que, nos registos de ocorrência de domingo e segunda-feira, não se faz menção a este caso.
Outro facto que chamou a nossa atenção é que o número de telefone que se encontra afixado nas paredes da 7ª Esquadra não funciona há um bom tempo, segundo o comandante, o que pode levar os cidadãos a não conseguirem entrar em contacto com a polícia em caso de necessidade.