A organização de Direitos Humanos ‘Human Rights Watch’ não quer que as “falhas” do processo eleitoral caiam no esquecimento. O país discute se vai eleger o Presidente por sufrágio directo ou por votação indirecta
Enquanto em Angola se inicia a discussão sobre a nova Constituição, que definirá se o Presidente continua a ser eleito por sufrágio universal ou se passa a ser designado por voto indirecto pelo Parlamento, a Human Rights Watch lembra que, a realizarem-se, as presidenciais não poderão cometer as mesmas falhas das legislativas de Setembro de 2008.
O relatório divulgado hoje pela HRW, Democracia ou Monopólio? O regresso relutante de Angola às eleições, chama a atenção para “a partidarização da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), a sua falta de independência e poder” face ao órgão governamental que controlou grande parte do processo, o CIPE (Comissão Interministerial para o Processo Eleitoral).
“Foi uma falha fundamental que levou a outras”, explica, por telefone, a investigadora da HRW Lisa Rimli. “Não se deve passar uma esponja por cima das legislativas porque há muitas expectativas sobre as presidenciais”. A questão é como vai o Governo, com uma vitória que lhe deu domínio político absoluto, “corrigir estas falhas”. “Dificilmente se reforçarão os direitos civis e políticos”, conclui.
Nas legislativas, as primeiras desde 1992, o MPLA do Presidente Eduardo dos Santos venceu com 81,7 % e na Assembleia apenas ficaram quatro partidos da oposição, que perderam força. O MPLA obteve 191 dos 220 assentos, maioria mais do que qualificada que lhe permite aprovar uma nova Constituição. Em causa está também o sistema de governo passar a ser presidencialista.
A dúvida sobre a eleição do Presidente foi levantada pelo chefe de Estado no Comité Central do MPLA, em Novembro, declarações controversas mesmo dentro do partido no poder. Para a HRW, a discussão acrescenta à incerteza já existente: não só sobre a data das presidenciais mas sobre a sua própria realização. A HRW retoma aspectos referidos no relatório da missão de observadores da União Europeia (UE), como a parcialidade dos media, a desigualdade no acesso aos recursos do Estado ou a falta de independência da CNE, que levaram os observadores a falar de falta de transparência, por exemplo, no apuramento dos resultados.
Mesmo não sendo a função da HRW definir se as eleições angolanas foram livres, justas e transparentes, Lisa Rimli aceita responder, distinguindo cada um dos termos: “Justo, o processo não foi, pois houve discriminação no acesso aos media; os subsídios do Estado para a oposição chegaram tarde; o MPLA aproveitou-se dos recursos do Estado de uma maneira que ultrapassa o que podia fazer por lei, e isso não foi justo”, explica.
“Por outro lado, houve respeito pelo direito de antena e a polícia protegeu as delegações dos partidos, houve esforços positivos. O processo foi livre porque os partidos puderam fazer campanha mas não o foi se tivermos em conta que os serviços da Segurança do Estado continuaram e continuam a intimidar de maneira sistematizada e que o acesso à informação não foi livre.” Sobre transparência, não tem dúvidas: “Se não houve supervisão transparente pela CNE como poderia o processo ser transparente e credível?”.
À semelhança da missão da UE, nada conclui sobre o impacto que as falhas tiveram na vitória esmagadora do MPLA. Mas comparando com as eleições de 1992, diz Rimli, “muitos nos disseram que há 16 anos as eleições foram menos livres mas mais justas”. Menos livres porque MPLA e UNITA tinham cada um a sua força militar, o que levou ao regresso à guerra. Mas mais justas “porque havia mais equilíbrio de poder”.
Eleição indirecta “fragilizaria” Presidente eleito
Uma alteração constitucional que consagre a eleição indirecta do Presidente “seria uma violação da Constituição” e “um retrocesso ao processo democrático”, afirmou Lazarino Poulson, professor da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, citado pelo jornal ‘Público’ na terça-feira. Além disso, se for eleito por via indirecta, José Eduardo dos Santos terá uma legitimidade reduzida porque “indirecta”. Fica “enfraquecido e dependente do Parlamento”. Por outro lado, se for eleito por sufrágio universal directo, e não obtiver os 81,7% com que o seu partido, o MPLA, venceu as legislativas de Setembro, também ficará enfraquecido aos olhos do seu partido, comenta Justino Pinto de Andrade, académico e ex-militante do MPLA, agora ligado à Frente para a Democracia, na oposição. “Os resultados das legislativas foram fruto de muitas manobras. Para ter um resultado igual ou superior teria de haver ainda mais manobras. Com a eleição indirecta, Eduardo dos Santos evitaria esse problema.”
Foi o próprio Presidente que, em Novembro, no Comité Central do MPLA, falou pela primeira vez na possibilidade de a eleição presidencial ser por “sufrágio indirecto”. Evocou a existência de “duas correntes de pensamento”. As vozes dissonantes não se fizeram esperar, como a de Marcolino Moco, ex-primeiro–ministro, que considerou tal possibilidade uma “manobra perigosa”. O Presidente não disse se preferia a “eleição directa”, como consagra a Constituição de 1991. Apenas disse que o calendário para as presidenciais ficaria condicionado à aprovação da nova Constituição, em 2009. A comissão constitucional, dominada pelo MPLA, começou os trabalhos na semana passada. O seu líder, o deputado do partido no poder Bornito de Sousa, deu a entender que a aprovação levaria no máximo seis meses. A oposição não tem força para comprometer o processo. Mas o tema da eleição indirecta não é pacífico no MPLA. “O Presidente teve o bom senso de trazer à discussão o tema, mas há uma fraca probabilidade de ter acolhimento”, refere Poulson. “Seria uma violação da Constituição, que não permite que se altere o modo de eleição dos órgãos de soberania.” A não ser que fosse “uma Constituição de ruptura”, que só se justifica em revoluções ou mudanças de regime, como em 1991, quando terminou formalmente o sistema de partido único, com esta Constituição.