@V: Como é que se chama?
IFD: Chamo-me Isabel Filomena Dombela.
@V: Quando e onde é que nasceu?
IFD: Nasci no dia 22 de Dezembro de 1960, no distrito da Namaacha, província de Maputo.
@V: Qual é o seu estado civil?
IFD: Sou solteira e mãe de 5 filhos, o meu marido morreu em 2005, vítima de doença. Ele foi um desmobilizado de guerra, afecto ao batalhão de Namaacha.
@V: Fale-nos da sua infância. Onde cresceu?
IFD: Passei toda a minha infância na minha terra natal, Namaacha. Por volta do ano de 1986, o meu pai era secretário do bairro onde vivíamos. A maior tristeza que vivi na minha infância foi o rapto do meu pai e da minha mãe em 1988 pelos matsangas (guerrrilha da Renamo).
Quando foram raptados eles encontravam-se no leito do quintal de casa. Quatro senhores na posse de armas de fogo e alguns instrumentos contundentes, primeiro chamaram o meu pai, mas ele, porque não os conhecia, não foi. Gritavam proferindo insultos e ameaçando a todos nós de morte, mas, mesmo assim, o meu pai mantinha- se indiferente à agressividade deles.
De repente invadiram a casa, entraram para o quintal, onde os meus pais estavam sentados a tomar uma refeição. Os matsangas golpearam o meu pai no pescoço, fizeram o mesmo com a minha mãe e de seguida foram levados para um lugar incerto. Até hoje não sabemos onde é que eles estão, e se se encontram vivos ou mortos.
@V: Quando isso aconteceu onde é que a senhora estava?
IFD: Eu estava dentro de casa, consegui ver todos os movimentos e ouvir as ameaças que aqueles senhores munidos de armas e catanas faziam, até ouvia o que eles diziam. Primeiramente eu até cheguei a pensar que aquilo fosse uma brincadeira.
Mas mudei de opinião quando os homens agrediram primeiro o meu pai e depois a minha mãe que na ocasião não gozava de boa saúde, ressentia-se de uma febre. Nessa altura eu tinha 18 anos, se não me falha a memória.
Quando tentei gritar pedindo socorro, um deles apontou-me com o cano de uma AK 47, ameaçando disparar contra mim. Movida pela infância e inocência, mantive-me calada e, de olhos abertos, vi os meus pais serem brutalmente espancados e a caminharem para um local incerto que donde nunca mais voltaram, se bem que ainda estão vivos.
@V: Ainda menor viu o rapto dos seus pais e era a mais velha, isso não a deixa traumatizada ou chocada para todo o sempre?
IFD: Estou sim traumatizada por toda a vida, cada vez que eu vejo uma arma seja com quem for, só me faz derramar lágrimas. Desde terça-feira (25 de Outubro) estamos aqui a manifestar os nossos direitos mas não somos ouvidos pelo Governo. Se eu soubesse que aqui estaria um grande contingente de polícias com armas em punho, eu sinceramente não vinha para aqui, isto só me faz recordar aquele triste episódio dos meus pais.
@V: A senhora é viúva e desempregada. Como é que tem sido o seu dia-a-dia?
IFD: Na verdade desde que o meu marido faleceu as condições de vida vão de mal a pior. Tenho 5 filhos, dos quais um rapaz e quatro mulheres, três das quais já têm filhos. Como o azar não vem só, os supostos pais dos meus netos nunca se vieram apresentar. Para não deixá-los desamparados eu vivo com os meus quatro netos e as mães vivem de biscates, excepto uma que está no lar.
@V: Consegue assumir as despesas do seu agregado familiar, tendo em conta que é desempregada?
IFD: Que fazer? O pouco que eu tiver partilho com eles, os meus netos também são meus filhos. Faço biscates numa casa e mensalmente pagam-me 1500 meticais, não é muito mas dá para fazer alguma coisa. Mais vale ter pouco que nada.
@V: Uma vez que a senhora Isabel está aqui a manifestar- se em representação do seu marido que foi desmobilizado de guerra, com quem ficaram as crianças lá em casa?
IFD: Estão sozinhas, deixei alguma coisa para comerem, o meu filho depois de voltar da escola há-de cuidar delas, enquanto eu venho reclamar o que o meu marido assim como os outros desmobilizados merecem, a pensão.
@V: E se vos for dada a tal pensão dos 12 mil meticais, o que fará a seguir?
IFD: Tenho muitos projectos com esse dinheiro, gostaria de abrir uma loja de produtos alimentares, como uma forma de garantir a subsistência da minha pacata família. Mas esse dinheiro só não basta, o Governo deve construir uma casa para todos os desmobilizados, pois a maioria de nós vive em casas arrendadas e/ou em condições precárias, mas não podemos fazer nada porque não temos dinheiro.
@V: Como é que se chamava o seu marido?
IFD: Ele chamava-se Luís Lampião Manhiça, nasceu em 1957 e morreu aos 48 anos de idade vítima de doença. Durante a sua vida militar teria contraído uma deficiência física no pé direito. Tudo começou durante um jogo de futebol lá no quartel entre colegas, o caso foi grave, daí que ficou definitivamente com defi ciência até a data da sua morte.
@V: Como começou a vossa relação?
IFD: Conhecemo-nos em Namaacha, em 1975, gostámos um do outro, vimos que podíamos fazer uma vida em comum e de facto materializámos o desejo. Três anos depois tivemos a nossa primeira sorte, uma miúda, que hoje já é mãe de uma criancinha.
@V: Nessa altura a senhora ia à escola?
IFD: Infelizmente foi um ano depois de eu interromper os meus estudos, por falta de condições, os meus pais não trabalhavam. O meu marido cumpria a vida militar no quartel da Namaacha.
@V: Agora falando de gastronomia, qual é o prato de que a Isabel Filomena mais gosta?
IFD: Uma pergunta meio engraçada, aprecio muito as verduras, mas especificamente gosto de couve com um bom amendoim à mistura, acompanhada de uma xima.
@V: Nos seus tempos livres, que mais gosta de fazer?
IFD: Gosto de ir à igreja louvar a Deus por tudo quanto ele faz por mim e pela minha família.
@V: Que ensinamentos procura transmitir aos seus filhos?
IFD: Aconselho-os a que sejam respeitosos, humildes e estudem, pois nos dias de hoje quase nada se pode fazer sem se ter estudado. Para além disso, encorajo-os para que saibam batalhar na vida e só assim poderão superar algumas dificuldades que a vida nos impõe nos dias de hoje.