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A Politécnica atribui título de Doctor Honoris Causa a Albi Sachs

A universidade A Politécnica concedeu, nesta sexta-feira, o título de Doctor Honoris Causa das Ciências Humanas, na especialidade de Gestão e Resolução de Conflitos ao Juiz Albert Louis Sachs, figura proeminente na luta contra o regime do Apartheid que durante anos vigorou na vizinha África do Sul.

Filho de imigrantes lituanos, Albi Sachs, como é carinhosamente tratado, nasceu na África do Sul no dia 30 de Janeiro de 1935 e com apenas 17 anos juntou-se à campanha de desobediência civil contra o Apartheid, conhecida por “Campanha de Desafio Contra as Leis Injustas”. Aos 21 anos obteve a sua graduação em Direito e começou a trabalhar como advogado. Defendeu clientes, na sua maioria negros, que eram confrontados com a pena de morte.

Por ser um defensor da filosofia de igualdade, em 1963 foi detido e posto na prisão, onde sofreu tortura física e psicológica, sob a lei dos 90 dias, que permitia uma detenção sem culpa formada e sem julgamento por um período de 90 dias.

Como forma de dar prosseguimento à luta pela libertação da África do Sul, Albi Sachs veio a Moçambique em 1977, onde se juntou ao então presidente do ANC, Oliver Thambo e outros revolucionários como o Secretário-Geral do Partido Comunista da África do Sul, Moses Mabhida, dentre outras figuras.

Quando ele cá chegou, aprendeu a língua portuguesa e aceitou trabalhar como docente da cadeira de Direito Internacional Público na Universidade Eduardo Mondlane, onde foi membro do Instituto de Estudos Jurídicos. Esteve também ligado ao Departamento de Investigação e Legislação do Ministério da Justiça. O Departamento de Investigação e Legislação era responsável pela publicação de uma revista denominada Justiça Popular, à qual Alibi Sachs deu o seu contributo com artigos.

Ainda no Ministério da Justiça, ele assessorou a Direcção dos Assuntos Religiosos, onde prestou apoio nas áreas de Direito Internacional, Direito do Trabalho, Jurisprudência e no Projecto de Lei da Família, que só veio a ser publicada em 2007.

Do ANC recebeu a tarefa de apoiar na preparação e integração dos estudantes sul-africanos que, fugidos do então regime do Apartheid, pretendiam frequentar os cursos ministrados na Universidade Eduardo Mondlane.

Foi ele quem trabalhou na elaboração de uma declaração de Direitos Fundamentais para uma África do Sul livre, documento contestado por muitos militantes do ANC. Eles pensavam que tal instrumento serviria para proteger os brancos e os seus interesses na era pós-Apartheid, mas ele teve a paciência de explicar que uma Declaração de Direitos progressista podia ser um instrumento emancipador e que incluiria direitos sociais e económicos que permitissem mudanças e transformações em condições de igualdade e justiça.

No princípio chegou a pensar que os agentes do Apartheid não iriam procurar para o assassinar porque ele era um simples professor de Direito e só estava a elaborar uma Declaração de Direitos para todos, mas depois do assassinato, em 1982, de Ruth First, sua colega na Universidade Eduardo Mondlane e de outro militante do ANC de nome Dulcie September e de outros episódios envolvendo o Apartheid, um regime sufocado pelas sanções internacionais por causa da sua política racista, ele tomou consciência da sua vulnerabilidade e de outros exilados.

Para tal, tomou várias precauções mas todas elas foram insuficientes para lhe garantir uma segurança eficaz. A protecção do seu apartamento e do seu automóvel revelaram-se insuficientes para actos de terrorismo do Apartheid, tanto que, no dia 7 de Abril de 1988, Albi Sachs foi alvo de uma tentativa de assassinato quando uma bomba plantada pelos agentes da polícia sul-africana explodiu, quando ele ia abrir a porta do seu carro num parque de estacionamento localizado na avenida Julius Nyerere, em Maputo.

Apesar de ter sobrevivido, Sachs perdeu o seu braço direito e a visão de um olho. Depois de longos meses de recuperação, deu-se por satisfeito com o facto de os seus inimigos terem falhado uma grande oportunidade de o aniquilar. Mais tarde ele contou a história da recuperação dos seus ferimentos num livro publicado em 1991, intitulado “Soft Vengence of a Freedom Fighter”.

Numa entrevista, ele confessou que, ao ouvir que a pessoa que colocou a bomba no seu carro tinha sido detida, sentiu um desejo de se encontrar com ele e travar uma conversa cara a cara e humanizar o relacionamento entre os dois. Para ele, a tal pessoa devia ser julgada e, caso não houvesse evidências claras do seu envolvimento, absolvida. A absolvição deste indivíduo seria a sua vingança contra o Apartheid.

Sachs passou a dedicar-se a tempo inteiro à preparação de uma nova constituição para a África do Sul. Depois de regressar à África do Sul em 1990, foi nomeado membro do comité Constitucional e do Executivo Nacional do ANC. Tomou parte activa nas negociações que transformaram a África do Sul numa democracia constitucional.

Depois das primeiras eleições democráticas em 1994, foi indicado, pelo presidente Nelson Mandela, para o cargo de Juiz do Tribunal Constitucional da África do Sul, instituição que serviu por um período de 15 anos.

Durante esse período, Albi Sachs ajudou a levar a justiça da África do Sul para a vanguarda do reconhecimento dos direitos humanos, ganhando elogios de juristas de todo o mundo livre. O tribunal aboliu a pena de morte e eliminou as leis que criminalizavam a homossexualidade, entre outras importantes decisões.

Na sua primeira aula de sapiência como Doctor Honoris Causa, Albi Sachs lembrou os momentos que se seguiram à tentativa de assassinato de que fora alvo e de quando lhe foi dada a notícia de que perdera um membro e a visão de um olho. “Estava tudo escuro, quando o doutor Paulo Ivo Garrido me disse que tinha perdido uma mão e a visão de um olho eu disse para mim mesmo que, quando eu estiver a recuperar-me, o meu país (África do Sul) também estaria em recuperação”, revelou.

Falou também do processo de reconciliação do povo sul-africano no período pós-Apartheid, que culminou com a realização das primeiras eleições democráticas em 1994, ganhas por Nelson Mandela e pelo ANC.

Por seu turno, o Presidente da República, Armando Guebuza, disse no seu discurso que “o gesto da Universidade A Politécnica dá-nos a oportunidade para evocar a luta heróica que os dois povos (sul-africanos e moçambicano) travaram pela sua liberdade, paz e democracia e, hoje, pelo desenvolvimento, e que o laureado integra a geração pela liberdade, paz e democracia do povo sul-africano”, disse.

O Chefe do Estado mencionou ainda o facto de Albi Sachs ter abdicado do conforto que a Grã-Bretanha lhe ofereceu para se juntar aos militantes do ANC em Moçambique e o preço que ele teve de pagar por ter tomado essa atitude.

“Os agentes do Apartheid conspiraram para lhe assassinar, não conseguiram levar a cabo os seus intentos mas deixaram-lhe as marcas e traumas para toda a vida. Com o apoio da fisioterapia e de profissionais de saúde, e sobretudo, da sua vontade e determinação, teve de aprender tudo de novo depois do ataque bombista: andar, pôr gravata, atar sapatos, só para dar alguns exemplos”, concluiu.

Para além de ser um jurista de renome, um advogado de alta competência, um professor exímio de Direito, Albi Sachs também é um bom escritor, fruto da sua participação na edição de uma revista escolar e da sua fluência na língua inglesa. Das obras por si publicadas destaque vai para os livros “The Strange Alchemy of Life and Law” (2009), “The Free Diary of Albi Sachs” (2004), “Soft Vengeance of a Freedom Fighter” (1991), “Justice in South Africa” (1974), “Sexism and the Law” (1979), e “The Jail of Albi Sachs” (1966). Ele produziu filmes e realizou actividades de âmbito artístico.

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