De passagem por Maputo, onde efectuou dois concertos nos CFM, o conceituado músico português, Jorge Palma, foi ‘apanhado’ pela @ VERDADE com vista a falar um pouco da sua carreira e de música em geral. Um artista que privilegia a improvisação, até na arte de falar, dizendo tudo o que lhe vai na alma.
@ VERDADE (V) – Já tinha estado em Moçambique?
Jorge Palma (JP) – Não, nunca.
(V) – Tem algumas referências musicais do país?
(JP) – Quase nenhumas. Aliás só estive duas vezes em África. A primeira em Tânger (Marrocos) e a segunda vez em Cabo Verde onde actuei.
(V) – A música africana não lhe diz muito?
(JP) – Diz-me a dos músicos que eu conheço bem. Tito Paris, Paulinho Vieira… e outros de Cabo Verde.
(V) – De Moçambique não conhece nada?
(JP) – Malangatana e Mia Couto (risos).
(V) – Quais são as suas grandes referências musicais?
(JP) – Os britânicos Rolling Stones, Beatles, Bob Dylan, Led Zeppelin, David Bowie, Queens. Os ‘cotas’ todos. Sou muito resistente.
(V) – Obedece a alguma sequência de músicas nos seus concertos ou nem pensa nisso?
(JP) – Não. Toco conforme o que me vem à cabeça. Aliás gosto de fazer sempre coisas diferentes. É claro que algumas músicas são incontornáveis como o ‘Encosta-te a mim’, ‘Portugal, Portugal’. Algumas resultam melhor em banda com baterias, guitarras eléctricas e outras funcionam melhor no género acústico com piano ou guitarra.
(V) – Qual das suas músicas sente que está mais no ouvido dos fãs?
(JP) – Quero tirar do ouvido das pessoas o ‘Encosta-te a mim’ (risos).
(V) – Então vou colocar outra questão. Qual é que gostou mais de fazer?
(JP) – ‘A estrela do mar’ é uma canção muito bem esgalhada porque eu estava a estudar Ravel e coincidiu fazer um arranjo muito bonito. Começou por ser uma música de quatro, cinco acordes à guitarra. Mas o meu processo de criação é caótico.
(V) – Há alguma organização nesse caos?
(JP) – Pode-se dizer que sim. A informação vai chegando: as cores, as pessoas, as situações, os livros, os filmes. Depois chego e um ponto em que digo: ok agora vamos trabalhar. Naturalmente, como domino bem o piano quando se está a apontar para aí não é difícil para mim escrever 10 ou 12 canções, para teatro, cinema, etc. Este ano quero fazer um disco de originais, uma música para uma peça de teatro do Hélder Costa e uma para um filme do António Pedro Vasconcelos. Uma coisa puxa a outra. A partir do momento em que se está direccionado para ali, e desde que haja tempo e espírito, sobretudo espírito, não é difícil musicar. Por exemplo ‘O tempo dos Assassinos’ foi escrito em duas horas, a letra e a música. Tinha a banda no estúdio à espera. O que tem de ser tem muita força. Outras vezes vou andando calmamente. Não há um processo disciplinado.
(V) – Nada é disciplinado na sua vida?
(JP) – Tenho a minha indisciplina disciplinada.
(V) – Em 2001, numa entrevista que deu a uma revista portuguesa disse que naquele tempo, anos ´60, em Portugal, para se “ser homem tinha primeiro que se beber e fumar e só depois foder”. O que quis dizer com isto?
(JP) – Nasci em 1950 e os valores culturais apontavam para aí. Nessa sociedade machista era natural um homem dar uma bofetada na mulher, era natural aos 10 anos beber-se uns copos, fumar uns cigarros, esse tipo de ‘festivais’. Dormi com prostitutas mas nunca paguei. A música sempre foi o meu passaporte para a vida.
(V) – Qual foi o seu álbum mais bem sucedido?
(JP) – De longe o último. ‘O lado errado da noite’ se tivesse sido melhor divulgado, mas o se é sempre….difícil de saber.
(V) – O ‘Rio Grande’ foi talvez o seu projecto mais mediático?
(JP) – Toda esta sequência faz sentido. O ‘Gang’, o ‘Rio Grande’, o ‘Querer’. Fui atingindo vários públicos através de coisas que são inesperadas. Por exemplo, quando faço música para teatro chego a um público mais intelectual. Com ‘Palmers Gang’ vou chegar aos putos. O ‘Rio Grande’ acabou por chegar um pouco a toda a gente. Era um projecto para um disco, era uma história contada na primeira pessoa por João Monge e musicada por João Gil, mas acabou por ser quatro vezes disco de platina e de repente estávamos na estrada a ganhar uns cachets enormes. Percorremos o país de norte a sul e de leste a oeste. Isso abriu portas para um determinado público que não me conhecia. Havia desde miúdos de quatro anos até velhos de oitenta a cantar “Querida mãe, querido pai…” era assim que começava a canção ‘Postal dos correeiros’.
(V) – Para si é mais complicado fazer uma música ou escrever uma letra?
(JP) – Sou, sem dúvida, mais músico, embora haja quem me considere poeta. Mas, como eu digo, nós, portugueses, somos todos poetas. Aliás, isso até vem referenciado no Astérix (risos). Tenho muito mais facilidade em musicar e isso tem-se visto com o Carlos Tê. Ele passa-me um papel com umas palavras e ao fim de cinco minutos está feita a música. Demoro muito mais tempo a “espetar” com as palavras dentro da música. Já me aconteceu estar meses com a música feita sem me saírem as palavras que eu quero. No meio, vejo os tais filmes, leio os tais livros e lá vem a inspiração.
(V) – Sei que não gosta muito de ensaiar…
(JP) – Não, não tenho muita paciência. Tenho as estruturas das músicas, no caso das partituras ensaio com orquestra, mas acho que quando se ensaia demais começa a ser contraproducente, começa-se a perder a genialidade da improvisação. Mas há artistas que ensaiam muito. Eu prefiro ensaiar pouco e depois ir ensaiando com o público porque cada actuação é diferente da outra, vai-se descobrindo coisas em vez de se estar fechado num estúdio.
(V) – Vive da música?
(JP) – Tenho vivido sempre da música. Nos anos ´80 é que foi pior. Os cachets eram muito baixos.
(V) – Qual é a música que sente: esta é a minha música?
(JP) – É muito difícil responder a isso. É como perguntares qual é o teu filho preferido.
(V) – Está assim a esse nível?
(JP) Está. Às vezes quero tocar todas e não dá, seriam cinco horas de concerto.
(V) – Qual foi a actuação que recorda com mais saudade?
(JP) – Nos Açores, na ilha do Pico, na Calheta do Masquim, em 2006. Estava um bocado debaixo de água. Levei com várias trombas de água. O piano ficou encharcado e eu também. Não morri electrocutado não sei como! Também os concertos do S. Luís, em Lisboa e do Centro Cultural de Belém (Lisboa) recordo com muita saudade.
(V) – Em 2008 foi o ano em que efectuou mais espectáculos.
(JP) – Sim foram quase 90 com 30 mil quilómetros pelo meio só no continente. Ninguém acreditava que eu aguentasse.
(V) – Espera cantar até quando?
(JP) – Não faço contas dessas, dá azar.
(V) – Que conselho daria a quem está a iniciar-se na profissão de músico?
(JP) – Que goste o suficiente de música para atravessar todas as tempestades que aparecem pelo caminho. Porque há momentos muito duros. E que não tenha preconceitos e possua sempre uma vontade férrea de aprender.