É interessante observar o que, por estes dias, se passa na República da Guiné, mais conhecida por Guiné Conacri. Tudo se explica em duas penadas.
Nas vésperas de Natal, o Presidente Lansana Conté, de 74 anos, faleceu vítima de uma longa agonia – sofria há muito de diabetes e leucemia. Na sua agonia arrastou também a Guiné, que na última década agonizou prostrada numa letargia para a qual ninguém previa um fim. Conté governou – esta palavra, sobretudo em relação aos últimos anos, não faz qualquer sentido no caso da sua presidência – na lógica de Luís XIV na França do século XVII: “Après moi le déluge” (depois de mim o dilúvio).
Conté, no poder desde 1984, nunca teve a preocupação que os seus anos à frente do país fossem recordados como uma época de desenvolvimento, de prosperidade e de elevação do nível de vida dos guineenses. Sem qualquer guerra que perturbasse a sua governação, ao contrário dos seus vizinhos, Conté optou, todavia, por manter os seus conterrâneos na miséria absoluta, na fraqueza, na doença – os corpos fracos são mais controláveis exactamente porque se encontram debilitados – no marasmo do analfabetismo – os ignorantes manipulam-se também muito melhor do que os espíritos esclarecidos. E por isso, durante anos a fio, a Guiné, um dos primeiros países de África independente, desceu sucessivamente no “ranking” das Nações Unidas em todos os índices – no de corrupção é mesmo o líder do continente.Nos últimos anos, o leão Conté encontrava-se demasiado debilitado para se entregar à caça dos bens públicos.
Então foi a vez das hienas necrófagas (a sua clique) entrarem em acção para rapinar os despojos, exaurindo os indigentes guineenses. E quando tudo parecia que ia ficar na mesma após a sua morte – de acordo com a Constituição o poder devia ser entregue provisoriamente ao presidente da Assembleia Nacional, Aboubacar Somparé e no período de ´60 dias deviam realizar-se eleições – eis que um grupo de jovens oficiais do Exército, denominado Conselho Nacional para a Democracia e o Desenvolvimento, cansado da perenidade deste estado de coisas, resolve, num golpe de força, embora sem derramamento de sangue, tomar o poder, suspendendo a Constituição e anunciando eleições livres para 2010.
As Uniões (Africana e Europeia) e os EUA apressamse a condenar o golpe, temendo o efeito dominó. Aqui, em África, em relação a isso, é caso para dizer que quem não pecou que atire a primeira pedra.
Moussa Camara, o novo líder do país, é um jovem capitão que goza de uma fama impoluta. Camara prometeu imediatamente combater a corrupção que gangrena completamente o país e lançou o alerta: “Quero dizer a todos aqueles que pensam que me podem corromper ou corromper os meus agentes: dinheiro não nos interessa. Detesto a corrupção.”
A implacabilidade de Moussa Camara está a colocar em desassossego permanente a clique dos intocáveis e muitos destes abutres, antes que seja tarde, já levantaram voo. Efectivamente, as suas tiradas são violentas, algo samorianas, e fazem tremer quem tem rabos-de-palha: “Quem comeu à conta do Estado vai vomitar.
Quem roubou vai para a prisão. Quem matou irá ser morto.” Camara parece seguir à risca a pena de Talião: o castigo deve ser igual à ofensa. A conceituada Ernst & Young foi contratada para, autenticamente, auditar o país. Os contratos de concessão mineira desfavoráveis ao Estado, estão a ser renegociados e alguns deles foram mesmo anulados, tal como a concessão do Porto Autónomo de Conacri à Getma Internacional.
Para o combate ao tráfico de droga foi criado uma secretaria de Estado específica. Foram também criadas brigadas fiscais que junto das empresas já recuperaram milhões de dólares de impostos que nunca ninguém julgou ser possível. A operação “Mãos Limpas” promete não olhar a meios para atingir os seus fins.
Porque não há razão plausível para um país que possui as maiores reservas de bauxite do mundo, grandes minas de ouro e diamantes e uma agricultura rica estar no estado em que está! Só a corrupção, o compadrio, o roubo e a delapidação constante dos recursos do país por parte de quem manda tem capacidade para o tornar tão pobre e miserável.
Até agora, e até ver, se há males (golpes de Estado) que vêm por bem, este parece ser um deles. Estejamos atentos porque, em caso de sucesso, o capitão Camara devolverá a honra, há muito perdida, não só à Guiné – a mesma Guiné que corajosamente disso Não ao general De Gaulle arrancando a sua independência com honra e dignidade – como a África.
Nessa altura sugiro então que o dinheiro dispendido com as doações internacionais seja entregue aos homens de mão do capitão para estes auditarem o continente.
Sem dúvida que se prestava um melhor serviço a África e aos seus povos, cansados desta moderna escravatura.