Ao contrário das outras capitais provinciais, a terra das muthianas horeras (mulheres bonitas na língua local) pode orgulhar-se do seu desenvolvimento económico – que ultrapassa toda a imaginação – galvanizado pelo comércio. Há cada vez mais espaços transformados em habitação, centros comerciais e áreas de diversão e lazer. Mas, diga-se, esse progresso não esconde a desgrenhada miséria que cresce à mesma velocidade da economia da cidade. Bem- -vindos a Nampula, a capital do norte.
No alto de uma das duas torres da Catedral de Nampula, denominada Catedral de Nossa Senhora de Fátima – um dos cartões-de-visita da cidade, – o relógio assinala a passagem do tempo, que nesta cidade parece ser mais acelerado. Em apenas uma década, os espaços vazios – e edifícios abandonados – acordaram transformados em centros comerciais e/ou em novos conceitos de habitação, trabalho e lazer.
Há 10 anos que a considerada “capital do norte” já não é a mesma. A vida também, diga-se de passagem. A população cresceu. Uma parte da urbe está a rejuvenescer, e outra, numa zona eternamente adiada, mingua. Aliás, Nampula passou a dispor de novas infra-estruturas (algumas modestas e outras, digamos, imponentes) e viu alguns dos edifícios ganhar novo fôlego.
Apesar disso, ela mantém as linhas arquitectónicas de uma cidade moderna, provando, assim, a sua resistência à passagem do tempo e revelando-se pronta para a renovação de uma nova Nampula. A direcção da regeneração patenteia-se, por enquanto, uma incógnita, mas pode despontar a oriente ou mesmo a ocidente da urbe.
“O crescimento da cidade é o resultado do processo de urbanização que inclui questões demográficas e a inclusão de zonas rurais dentro dos limites administrativos. Já começam a despoletar novas áreas de expansão urbana, mas ela (a cidade) tem de crescer verticalmente”, diz o arquitecto e urbanista Ernesto Gastão.
O centro do município mostra-se saturado. E há necessidade de introdução de novas estratégias ou conceitos de habitação. A cidade cresce de forma horizontal, na zona da Muhala Expansão onde, apesar das autoridades municipais não disporem de um verdadeiro plano de urbanização, despontam vivendas e algumas mansões de uma elite emergente para o gáudio do sector imobiliário que parece não existir.
Um pouco por todo lado da cidade é possível ver obras de construção de hotéis, centros comerciais e habitação, além da reabilitação de alguns espaços de lazer, num ritmo deveras acelerado.
Apesar de ver a sua parte inferior – outrora um depósito de todo o tipo de resíduos sólidos – transformada em instituições bancárias, lojas e outros serviços, o edifício mais alto (Prédio Branco), de oito andares, que também é o símbolo da cidade, de branco só ficou o nome.
Algumas vias de acesso ganharam semáforos e asfalto – outras continuam esburacadas e de terra batida. O tráfego rodoviário ficou mais intenso. Até porque a quantidade de veículos aumentou: o número de viaturas triplicou nos últimos anos e os motociclos inundaram a cidade.
O lixo tomou de assalto a urbe, pondo ao olho nu a ineficiência do Conselho Municipal de uma cidade com uma população três vezes menor que a da capital do país, Maputo.
Mas, tendo em conta os sinais de ruralidade estampados no comportamento dos citadinos, a impressão com que se fica de Nampula é de que o crescimento a todos os níveis da cidade foi mais impetuoso do que a capacidade de os habitantes se adaptarem à nova realidade: o progresso.
O comércio: o ‘mova’ da economia local
A azáfama nos passeios, ao longo das principais avenidas da cidade, revela diversas actividades informais, praticada maioritariamente por pessoas oriundas da periferia, que prosperam aos olhos dos munícipes. Mas nesta urbe o comércio (formal) é dominado por indivíduos de origem asiática, especialmente indianos, paquistaneses e chineses.
Os negócios que movimentam a economia da cidade estão nas mãos de grandes grupos maioritariamente constituídos por membros da mesma família que detêm redes de lojas – e também tabacarias – de venda de vestuários, electrodomésticos, mobiliário, cosméticos, entre outros produtos.
Os nativos, sobretudo os jovens, “contentam-se” com a parte pobre do comércio, exercendo actividades menos qualificadas, como carregar as mercadorias, limpeza das lojas, venda de pão, “badjia”, água e alguns produtos pelas ruas da “capital do norte”.
Inebriados pelo aparente desenvolvimento e crescimento socioeconómico, muitos migram, oriundos das zonas rurais, para Nampula em busca de oportunidades – frequentemente ilusórias. O som das sirenes de possibilidades de emprego na terra das “mulheres bonitas” ecoa em quase toda a região norte e, quiçá, no país inteiro.
Carlitos Sabão trabalhou até 19 anos de idade numa mercearia, como ajudante, na cidade de Cuamba, província de Niassa, a aproximadamente sete horas de comboio. Entrava às 7h30 da manhã e só regressa a casa às 20h00 com dores em quase todo o corpo. Mensalmente auferia 600 meticais, mas, às vezes, não recebia, sobretudo quando desaparecesse algum produto ou quando no final do dia as contas não estivessem certas.
Há três anos, Carlitos abandonou a sua terra natal perseguindo os rumores de oportunidades de uma vida abastada que nascia a Leste de Cuamba. “Encontrar um trabalho menos desgastante era o meu objectivo quando cá cheguei”, conta. Mas, com a 3ª classe interrompida, difícil foi encontrar um emprego que exigisse pouco esforço físico. Trabalhou num matadouro, descarregou mercadorias, e, mais tarde, passou por um balcão de uma loja.
Presentemente, com 22 anos de idade, optou por um negócio, por conta própria. Vende peixe seco – localmente conhecido por “papaim” – no mercado dos Belenenses. O seu rendimento actual (em média, 2500 meticais por mês) é o quádruplo do salário que ganhava em Cuamba.
Nos últimos meses, quando comparada com as outras duas principais cidades do país (Maputo e Beira), Nampula registou uma diminuição dos preços de bens de primeira necessidade como, por exemplo, feijão manteiga, farinha de mandioca e de milho, tomate, sabão e alface. Mas o índice do preço no consumidor continua elevado. Na óptica dos munícipes, o custo de vida “está cada vez mais insuportável”.
As noites em Nampula
De uma cidade pacata, Nampula tornou-se agitada e pouco espaçosa, sobretudo nos fins-de-semana. No período da noite, o cenário é este: as ruas têm trânsito, barulho de música vindo de carros que passam a zunir pelas principais artérias da cidade. Circulam viaturas de quase todas as marcas luxuosas, desde Chevrolet e Chrysler, passando pela Mercedes-Benz e Hummer até Ferrari, modelo 2011.
Em algumas estradas não se vê quase ninguém. Mas no cruzamento entre a Avenida Paulo Samuel Kankhomba – uma das principais artérias da cidade – e a Rua Monomotapa, próximo do Mercado Municipal, uns sinais de agitação chamam a atenção.
Jovens, que formam a pequena burguesia da urbe, fazem corridas ilícitas de carros, de aproximadamente um quilómetro. Tem sido assim todos os fins-de-semana a partir das 11h00 da noite, com maior frequência aos domingos.
Naquela encruzilhada, o semáforo serve de sinalização para o início da corrida. A competição não envolve apostas monetárias. Fazem-na por diversão. Khalid, de 22 anos de idade, é um dos competidores. Ostenta uma viatura de marca Mercedes-Benz, classe C. Está em Nampula de férias, pois vive na África de Sul, onde se encontra a fazer um curso islâmico.
Se procura por um bar com música ao vivo, esqueça. Noutro lado da cidade, as discotecas são os pontos de encontro da juventude nampulense. “C é Que Sabe” e “MP3” são as mais badaladas casas nocturnas da cidade. Existem outras dezenas recatadas espalhadas pelos bairros suburbanos. Mas são estas duas que a elite de Nampula, constituída maioritariamente por pessoas de origem asiática, frequenta.
Na longa Avenida Samora Machel, o negócio de sexo ganha vida na calada da noite. Posicionadas ao longo dos passeios, prontas para o trabalho, elas – algumas decentemente vestidas e outras nem por isso – perscrutam os que por lá passam, até porque todos são potenciais clientes. Os preços partem de 250 meticais, mas se for um bom negociador pode pagar apenas 150.
Ao abrandar do carro, três moças aproximam-se e oferecem os serviços e a respectiva tabela de preços. Uma rapariga que se diz chamar Bia, prostituta há quatro anos, entra na viatura e indica os locais onde se pode passar a noite. O valor varia consoante o espaço.
“Mas há um lugar barato lá mais para a zona da Muhala”, afirma. Perguntámos à jovem se era casada e as razões que a levaram a escolher aquela vida, ao que ela responde incomodada: “Não estou aqui para falar da minha vida”.
Após alguma insistência – e também chantagem de que iria perder o cliente –, lá vai dizendo que “não sou casada. Achas que se eu fosse estaria a prostituir-me? Tenho contas por pagar e uma família por sustentar”, remata.
No local, um espaço escondido com diversos quartos enumerados, um indivíduo que se identificou por Rafael, aparenta 50 anos de idade, fala do preço e dos aposentos desocupados: passar a noite num daqueles cubículos custa 50 meticais e para quem pretende usá-lo por algumas horas, o valor baixa para 30.
O que há para fazer nas tardes?
A resposta para já é negativa. Mas se perguntar por rotas turísticas, é capaz de ser indicado o Museu de Etnologia, a tradicional Feira, que acontece aos Domingos no emergente bairro da Muhala Expansão, ou mesmo ter de sair da cidade. Na verdade, não existem percursos definidos ou informação sobre as coisas para fazer.
Nos tempos idos, a cidade contava com dois emblemáticos jardins (Parque dos Continuadores e outro conhecido por Feira, por ter acolhido o mercado de artesanato), além de três salas de cinema. Presentemente, o primeiro está votado ao abandono. O lugar transformou-se numa área perigosa no período da noite, e numa zona onde os transeuntes fazem as suas necessidades menores. Apenas os esqueletos de baloiços trazem à memória de que um dia este foi um espaço de lazer.
O segundo jardim viu o espaço revigorado, ganhando “lanchonetes”, “take aways” e outros lugares de lazer. Porém, também o espaço é disputado por mendigos que fazem do local a sua moradia.
Apenas uma sala cinematográfica funciona. Nesta cidade, não há o hábito de ir ao cinema. Um filme previsto para ser projectado às 18h00 é capaz iniciar por volta das 20h00 – ou mais tarde –, tudo porque o proprietário faz um compasso de espera a ver se a plateia é composta por, pelo menos, 10 pessoas. Não existe teatro na cidade, a não ser quando um grupo, sob o patrocínio de uma ONG, apresenta uma peça sobre HIV/SIDA ou qualquer outra campanha.
Aos Domingos, a tradicional Feira continua a ser a grande opção. É neste local onde milhares de nampulenses ganham a vida. Vende-se um pouco de tudo: desde obras de artesanato, mobiliário (de sala, quarto e escritório) e roupas usadas até refeições.
55 anos e os problemas de sempre
O município, implantado num planalto e com uma população estimada em 447.900 pessoas, ocupa uma área de cerca de 404 quilómetros quadrados. É constituído por seis postos administrativos urbanos, nomeadamente Urbano Central, Muatala, Muhala, Namicopo, Napipine e Natikire.
O número total de agregados familiares é de 101.484, distribuídos por 18 bairros. Há mais homens (51 porcento do total da população) que mulheres (49 porcento) nesta cidade.
Perto de celebrar 55 anos de elevação à categoria de cidade – o que acontecerá a 22 de Agosto próximo –, Nampula debate-se com diversos problemas sociais, próprios de uma cidade em crescimento. O clima de festa já se faz sentir um pouco por toda a cidade. Mas a criminalidade e a falta de saneamento básico são algumas questões que preocupam os residentes.
Apenas 2 porcento da população do distrito de Nampula têm acesso à água canalizada dentro de casa, 23 fora de casa, 47 bebem água do poço e 27 tem acesso a um fontenário. Existem 12 unidades sanitárias (um hospital central e geral, sete centros e cinco postos de saúde).
Os bairros de Karrupeia e Namutequeliwa são os mais problemáticos. Muitas famílias vivem sem as mínimas condições de higiene. Aliada a essa situação está o elevado índice de criminalidade. Se durante o dia tudo parece normal, quando a noite chega a coisa muda. Uma hora é tempo suficiente para ver a sua viatura – parqueada sem vigia – sem os pisca-piscas, faróis, bateria ou até mesmo pneus. A partir das 20h00, passar pelos labirintos do subúrbio ou por ruelas pouco iluminadas e chegar a casa com a carteira, telemóvel ou outro bem é um golpe de sorte. Há relatos de roubos de panelas no lume e até bidões de água.