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Pandza: Um Dia Cinzento

Era um fim de tarde cinzento. Não que o sol se recusasse a amarelar o cenário, muito menos havia nuvens a estorvá-lo. O dia estava cinzento no humor das pessoas, por ser dia de salário na função pública.

Depois do trabalho, gente em avalanche recolhia para as suas casas, com disposição de salários magros. Aglomeravam-se desordenadamente no passeio e na berma da estrada, correndo como moscas desesperadas, atrás dos chapas.

Havia no meio daquela agitação um homem de ati tudes cinzentas. Tinha o olhar muito irrequieto e estava muito atento aos bolsos e bolsas alheias. Não disputava lugar nos chapas, mas fazia-se sempre à confusão.

Afastados da multidão havia dois homens também cinzentos no traje, no humor, e no bolso. Um com algemas tilintando na cintura e o outro com espingarda pesando o ombro. Eram agentes da polícia que, com intenção de flagrar os carteiristas, mantinham-se a uma distância insuspeita, esperando pacientes pela hora de agir.

Um chapa cinzento aproximou-se, à velocidade que se lhes conhece, e chiou violentamente os pneus. Quase atropelou as pessoas cinzentas que disputavam um lugar na sua boleia. O carteirista fez-se à confusão, seu expediente. Os agentes, aperceberam-se da investi da e prepararam-se para a acção.

Vergando ao peso da arma e tilintando algemas na cintura, flutuaram os corpos franzinos no uniforme cinzento em que não cabiam e aproximaram-se. O carteirista infiltrou-se na confusão e o braço elásti co, com destreza impressionante, revistou os bolsos e tirou algo volumoso de um deles.

– Celular? – Perguntou um dos agentes em tom 007, sem desviar o olhar.

– Não, parece uma carteira – respondeu o colega, parceiro de patrulha.

Num salto amacacado, que seria felino se os agentes tivessem alguma destreza, neutralizaram o homem. O das algemas segurou o carteirista pelas calças como se segurasse um boi pelo rabo. O outro, mantendo distância, manejou ruidosamente a arma que parecia não dominar.

Assustadas mas curiosas, as pessoas sobressaltaram-se e rodearam os actores. O carteirista, com a carteira alheia nas mãos, mudou bruscamente a expressão esperta do rosto, pôs-se a chorar quando senti u o frio das algemas apertarem-lhe os pulsos e foi dizendo, mais confessando que justi ficando:

– Não roubei nada, eu…

– Quem te perguntou? – Perguntou o das algemas.

– Não roubou? – perguntou o outro – essa carteira não é daquele ali? – apontou para a vítima com o cano da arma, o que fez com que os presentes esquivassem.

– Eu não roubei nada, juro – temia mais a justi ça popular do que a detenção pelos agentes.

– Senhor aí, sua carteira aqui – dirigiam-se os agentes para a víti ma pendurada na porta do chapa, que rapidamente encolheu os ombros e negou:

– Êh! Não é minha carteira essa.

Os dois agentes entreolharam-se.

– Mas senhor já viu bem? Nós vimos, ele ti rou do seu bolso.

– Êh! A minha carteira está aqui – mostrou – essa não me pertence.

Os presentes olharam para os agentes com desconfiança. O chapa arrancou. Os polícias não entenderam nada.

– Vamos soltar este gajo e ficamos com a carteira. – Afastaram-se dos populares e quando aqueles já não podiam vê-los soltaram o deti do:

– Vai-te embora! Não repitas! A carteira está apreendida.

Abriram a carteira e o susto foi maior que o espanto:

– Epa! É droga isto! – Entreolharam-se boquiabertos, agora percebiam porque a víti ma não quis assumir a carteira.

Na ressaca do episódio, ainda perplexos, voltaram para perto da paragem, seu ponto preferido de patrulha, perturbando a paz dos carteiristas, e pensando na forma de rentabilizar aquele produto. Pouco depois, apareceu um carro da polícia, e nele o carteirista solto há pouco, apontando para eles. A porta do carro abriu-se e perceberam a escrita “Brigada Anti-Corrupção”.

Um agente cinzento que pelo volume do abdómen parecia hierarquicamente melhor posicionado desceu, outros quatro seguiram-no, servis. Atrás vinha a televisão popular, advogados do povo. Enquanto a dupla de policiais era abordada e revistada pelos superiores, os da televisão interrogavam-lhes com espectacularidade excêntrica:

– Há uma queixa, dizem que vocês possuem e vendem droga aqui. É verdade?

Não houve tempo para explicar. A carteira recheada provava. Algemados e levados para o carro, os dois cinzentinhos ainda viram o carteirista entre os populares, acenando com sarcasmo, e comemorando a soberania do seu posto de trabalho.

A noite caiu, cinzenta.

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