Estará a indústria das extensões de cabelo a violar direitos humanos? A pergunta foi feita à ONG americana Human Rights Watch. Os serviços de imprensa da organização responderam ao Público que “não é possível fornecer dados, porque nunca foi feita qualquer investigação sobre o tema”.
É sabido que há cada vez mais mulheres que recorrem às próteses de cabelo humano visando tornar-se mais belas. Mas o ponto de partida do negócio é ainda um engima: porque há mulheres de países pobres que vendem ou doam o seu próprio cabelo – e em que condições o fazem? “As extensões de cabelo são provavelmente o segmento da cosmética capilar que mais tem crescido”, afirma Dajana Schneider, porta-voz da Hairdreams, empresa de distribuição de extensões que domina o mercado euro-americano, juntamente com a Great Lenghts.
“O negócio continuará a crescer nos próximos anos, acima da média. A procura é impulsionada pelas celebridades que usam extensões” e que influenciam as mulheres comuns a fazerem o mesmo. Além disso, acrescenta Dajana Schneider, “há cada vez mais mulheres que têm cabelo quebradiço ou queda de cabelo”.
A Hairdreams tem sede em Graz, na Áustria. Foi fundada em 1994 pelo empresário Gerhard Ott. Segundo informação oficial, exporta principalmente para a Europa, os EUA e o Médio Oriente. Quanto à Great Lenghts, nasceu em Londres, em 1991, pelas mãos do italiano David Gold. Antes de se transformarem em colossos, eram ambas pequenas empresas familiares. Acompanharam e foram responsáveis pelo boom das extensões, há cerca de 15 anos.
A moda tinha começado, ainda que discretamente, nas décadas de ‘70 e ‘80, nos EUA, junto das mulheres negras, lê-se no livro Talking Visions: Multicultural Feminism in a Transnational Age, de Ella Shohat (MIT Press, 2001). A famosa revista afro-americana Ebony escrevia em Junho de 1988: “As extensões de cabelo são agora mais populares do que nunca e permitem fazer penteados para os quais o seu cabelo natural não estaria preparado.” Muito antes disso, era uma prática corrente em algumas zonas de África, através de uma técnica conhecida por “tissagem”.
Como as stars
A massificação dar-se-ia nos anos ‘90. A ex-cantora das Spice Girls, Victoria Beckham, é apontada como uma das principais responsáveis pela disseminação mundial das extensões, uma vez que era, e é, utilizadora habitual. Ao que vão escrevendo as revistas cor-de-rosa, o mesmo acontece hoje com Beyoncé, Paris Hilton, Lady Gaga, Jessica Simpson, Lindsay Lohan, entre muitas outras celebridades americanas. Nos desfiles de moda de Paris, Milão ou Nova Iorque é hoje comum ver modelos com extensões a apresentarem criações de Givenchy, Cavalli ou Victoria´s Secret. Guido Palau, superestrela dos cabeleireiros de moda, é um adepto assumido das extensões.
“Contam-se pelos dedos da mão as mulheres que nunca as usaram”, assegura uma especialista de moda internacional. Entre 1997 e 2007, trabalhou para a Great Lenghts, através da Leocris, e foi directora técnica. Fazia a ponte entre a empresa e os cabeleireiros. “No início foi muito difícil convencer os europeus a usarem extensões, diziam que era um hábito das mulheres negras e recusavam-se”, recorda.
“Quando perceberam que as figuras públicas usavam, começaram a aderir.” Hoje é um produto procurado por “mulheres que gostam de se mimar ou que têm o cabelo curto, fino ou espigado. As extensões mudam muita coisa nas pessoas, e não é apenas no aspecto: dão mais autoconfiança e auto-estima”.
Dos 4200 aos 42 mil meticais
As extensões tem cerca de 20 fios de cabelo e custam no ocidente entre 3,75 e 6 euros (157 meticais e 252). A aplicação no couro cabeludo demora em média 90 minutos. E o preço final tanto pode chegar aos 100 (4200 meticais) como aos mil euros (42 mil meticais). “Depende do efeito que a cliente pretende e da quantidade de extensões a utilizar”, referem especialistas. “Aguentam até seis meses com óptimo aspecto, mas precisam de manutenção uma vez por mês.”
As extensões de cabelo humano são as mais duráveis e por isso mesmo as mais procuradas. Mas também é possível encontrar extensões sintéticas (do mesmo material que as perucas de Carnaval) ou de “cabelo natural” (de iaque, um bovino da Ásia Central). Questionada sobre a origem do cabelo humano comercializado pela Hairdreams, Dajana Schneider não pormenoriza, mas responde que “é obtido em vários países, através de uma rede global de agentes que seguem rigorosos princípios éticos”.
Sabe-se que os quatro principais países fornecedores das diversas marcas são a Índia, a China, a Rússia e a Tailândia. É aí que muitas mulheres pobres aceitam vender o seu cabelo a intermediários, que por sua vez o revendem mais do que uma vez, até ele chegar às grandes marcas do ramo. O cabelo das mulheres chinesas é o mais cotado, por conter muita queratina, uma proteína que torna o cabelo sedoso.
Estas mulheres “não vendem o cabelo por gosto”, dizia numa reportagem recente do New York Times o empresário David Elman, da importadora ucraniana Raw Virgin Hair Company. “Normalmente, só as pessoas de zonas pobres e com problemas financeiros temporários é que vendem o cabelo.” Segundo a mesma fonte, os angariadores de cabelo humano na Rússia operam individualmente e pagam em dinheiro vivo pelo cabelo das mulheres.
Cabelos a leilão
Na Índia, é diferente. Não se observa uma transacção entre mulheres desapossadas e intermediários da indústria. O cabelo provém de um ritual de tonsura, em que participam não só mulheres como também homens. No templo hindu de Tirumala, na cidade de Tirupati, Sudeste da Índia, 500 barbeiros cortam o cabelo a dez mil pessoas por dia.
“Ninguém sabe muito bem o que acontece às toneladas de cabelo humano dos crentes, mas fontes bem colocadas dizem que o cabelo é recolhido a cada seis horas e colocado em contentores selados até ao dia do leilão anual”, lê-se numa reportagem de 2006 publicada no site do IBN (canal de notícias indiano que funciona em parceria com a CNN).
“O leilão atrai compradores de todo o mundo e consta que o cabelo vai para empresas farmacêuticas e de cosmética da Alemanha e Itália.”
Actualmente, é possível aplicar extensões azuis, amarelas ou vermelhas, mas são outras as cores mais procuradas em todo o mundo. Em Moçambique as mulheres querem ser louras.