A 28 de Setembro de 1958, todos os territórios ultramarinos franceses aceitaram aderir à Comunidade Francófona, uma nova organização criada pouco antes pela França para melhor controlar os seus territórios. Porém, como os irredutíveis gauleses da aldeia de Astérix, a Guiné Conacri de Ahmed Sékou Touré rejeitou, nesse mesmo dia, a adesão àquela forma de neocolonialismo. A vitória do NÃO no referendo foi esmagadora: 95%. Quatro dias depois, a 2 de Outubro de 1958, fez agora 50 anos, a “insurrecta” Guiné proclamou a independência, tornando-se o primeiro país da África francesa a conseguir tal desiderato.
Naqueles anos de rescaldo de Bandung, Sékou Touré tornou-se um herói de toda a África, dando nascimento ao mito do “nacionalismo intransigente”, enquanto a República Popular e Revolucionária da Guiné – assim baptizou Touré o novo país -, permaneceu como um símbolo da “dignidade africana reencontrada.”
De facto, não era fácil cortar abruptamente com a França, para mais com França de Charles de Gaulle, o general nacionalista que havia saído da 2ª Guerra Mundial com enorme prestígio. Os dois, Touré e de Gaulle, eram demasiado nacionalistas para se entenderem e, tratando-se de uma independência, só podiam mesmo chocar. Foi o que aconteceu. Quando Touré proferiu a célebre frase “preferimos a pobreza em liberdade do que a riqueza na escravatura”, o velho general comentou agastado: “Que orgulhoso é esse Sékou Touré!” para depois acrescentar: “A independência está à disposição da Guiné. Na manhã do dia 29 de Setembro a França abandonará o território. A Guiné não é indispensável à França. Ela [Guiné] que tome as suas responsabilidades. Boa sorte Guiné.”
Diz-se que a sorte procura-se. A Guiné Conacri parece não a ter procurado muito nestes últimos 50 anos. Os festejos do cinquentenário, no passado dia dois, foram tão frouxos como os índices de desenvolvimento do país nas tabelas internacionais. Não fora meia dúzia de pequenos artigos dispersos na imprensa, e a presença de oito chefes de Estado da região nas cerimónias alusivas, e a data teria passado despercebida, bem longe do fulgor daqueles anos em que tudo era esperança e desejo de mudança.
Actualmente, os dez milhões de guineenses não têm razões para sorrir, principalmente sabendo que o território era o mais próspero da África Ocidental, ao tempo do corte com a França. Aquele sol para o continente que foi a Guiné nos anos de todos os sonhos é hoje uma longa noite escura como breu. E, se se pensar que o país, politicamente falando, foi dos mais estáveis da região – ao invés dos vizinhos Libéria, Serra Leoa, Guiné-Bissau, a República da Guiné nunca viveu a guerra tendo conhecido somente desde a independência dois chefes de Estado – as desculpas para o actual estado de coisas são inadmissíveis, encontrando somente resposta nas más políticas económicas seguidas, na má gestão, na corrupção, no nepotismo, na repressão, na irresponsabilização social, etc.
Com potencial agrícola único na região graças aos enormes recursos hídricos que possui, e um subsolo onde se encontra abundante bauxite – a segunda maior reserva em todo o mundo -, ouro, ferro e urânio, a República da Guiné ocupa, paradoxalmente, 160º lugar, num total de 177 países, do ranking de desenvolvimento humano das Nações Unidas.
Quem hoje visita a Guiné Conacri, depara-se constantemente com problemas de falta de água, de electricidade, de estradas, de hospitais, de escolas, de hotéis… A cólera é endémica nas principais cidades e um em cada dois habitantes não tem acesso a água potável. A taxa de analfabetismo ronda os 70%, a esperança de vida os 45 anos e em muitos bairros de Conacri, a capital, as casas apresentam um primitivo aspecto medievo, constituindo um foco de propagação de doenças.
Não foi ontem que os guineenses tomaram em mãos o seu destino. Foi há 50 anos! Meio século é tempo mais do que suficiente para forjar, preparar e formar com consistência duas gerações. O Estado de Israel, com recursos muito menores, só precisou de 25 anos para se tornar uma potência. Como há pouco disse um alto responsável africano, é tempo de deixarmos de atribuir todas as responsabilidades do nosso atraso ao colonialismo, às guerras instigadas pelo exterior e às catástrofes naturais. É tempo de se fazer uma introspecção séria, analisando a raiz dos problemas, sem demagogias e sem preconceitos.
Sobre o nosso país, em relação aos anos de independência, a República da Guiné leva um avanço de 17 anos. Em Junho de 2025, Moçambique completará 50 anos e terá, seguramente, esperemos nós, muito mais razões para festejá-los do que hoje tem a Guiné.