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Estamos muito bem sozinhos!

Anda sobre a terra uma centena de tribos isoladas. A maioria delas será contactada mais cedo ou mais tarde. Como conseguir manter o resto do mundo afastado durante muito tempo? Os habitantes da ilha Sentinela do Norte, no oceano Índico, indicam-nos o caminho a seguir.

1ª lição: Trabalhar a imagem Desde o séc. X que os primeiros navegantes referem a presença da ilha Sentinela do Norte, abrigada por uma barreira de coral, integrada no arquipélago de Andamão, no golfo de Bengala. Os seus habitantes são descritos como sendo particularmente hostis. Conta-se que devoram os visitantes às claras. Graças a Deus vivem isolados. Marco Polo escrevia assim no final do séc. XIII: ‘O seu rosto, os seus olhos e os seus dentes lembram os dos cães.

São particularmente cruéis e massacram todos os estranhos que cruzam o seu caminho.’ Em 1986, um prisioneiro indiano que escapara de um presídio inglês vizinho chegou à ilha Sentinela do Norte. Alguns dias depois, o seu corpo foi encontrado na praia, crivado de flechas e degolado. Depois disso, não há mais notícias durante quase 80 anos.

2ª lição: Passar despercebido A ilha Sentinela do Norte foi sucessivamente território britânico, japonês e indiano. Tem pouco interesse estratégico e económico, de modo que, na realidade, o Reino Unido, o Japão e a Índia nunca se preocuparam com a ilha. Mas os sentineleses também nunca fizeram grande coisa para atrair estrangeiros. Não erigiram edifícios espectaculares nem estátuas, como os habitantes da ilha de Páscoa.

Possuíam barcos, mas manifestamente não sentiam o desejo de explorar as redondezas. Saíam para pescar, mas nunca iam para muito longe. Não faziam música tonitruante e não desbravavam a sua ilha. Vista do céu, ela assemelhase a um relvado em forma de raia.

Tudo está coberto de vegetação e os habitantes não abriram uma clareira sequer. Não existe qualquer imagem do interior, nenhuma. As águas que banham a ilha são transparentes como o gin, como dizem os ingleses. Quando o tempo está bom, podem ver-se os recifes de coral no fundo do mar.

3ª lição: Recusar adaptar-se Apenas uma vez os habitantes de Sentinela foram apanhados por intrusos. Foi em 1980. Tendo confundido a erupção de um vulcão numa ilha vizinha com um tiroteio na ilha Sentinela do Norte. O inglês Maurice Vidal Portman desembarca com um grupo de soldados armados.

Durante dias, os soldados da ilha escondemse na selva. Pouco depois, Portman consegue capturar dois adultos e várias crianças. Orgulhoso do seu feito, embarca as suas presas e escreve: ‘O seu aspecto faz lembrar o dos jovens camponeses ingleses das classes mais baixas. Os sentinelenses têm traços profundamente idiotas’. Naquela época, a grande moda junto dos colonos de Port Blair (a maior cidade das ilhas Andamão) era ter indígenas das ilhas como criados ou amas.

Vestiamlhes belos fatos e davam-lhe nomes de animais domésticos como Topsy, Snowball, Jumbo, Kiddy Boy, Crusoe ou Sexta-Feira. Dizia-se então que os indígenas se entendiam muito bem com as crianças. Mas os sentineleses capturados não terão o mesmo destino: há neles alguma coisa visivelmente estranha. Adoecem durante a viagem marítima e os dois adultos depressa morrem. Manifestamente cheio de remorsos, Portman cobre as crianças de ofertas antes de as devolver à sua ilha.

4ª lição: Excluir qualquer forma de hospitalidade Nos nossos dias, os sentineleses continuam a receber visitas não solicitadas. Políticos, antropólogos e aventureiros aproximam-se da ilha traçando caminho através de uma das três passagens na barreira de coral. Sem sair do barco, os membros destas expedições atiraram baldes de plástico aos sentineleses, que apanharam unicamente os vermelhos, desdenhando os verdes.

Ofereceram-lhes também cocos, alguns dos quais aceitaram, outros deixaram na água. Em 1974, uma equipa de filmagem levou-lhes caçarolas de alumínio, uma boneca e um porco atado de pés e mãos. Os sentineleses apunhalaram o porco e a boneca e, de seguida, enterraram- nos na areia. Aceitaram as caçarolas com gratidão. Depois atiraram algumas flechas na direcção dos estrangeiros, uma das quais cravou nas coxas do operador da câmara. Contente consigo mesmo, o homem que a atirou começou a rir e sentou-se sob uma árvore perto da praia.

5ª lição: Desconcertar o estrangeiro Supõe-se que os sentineleses só saibam contar até dois. Este é o nível dos nossos conhecimentos. E é quase tudo o que se conhece deles. Até agora, ninguém conseguiu compreender a sua língua nem tã- pouco os seus gestos.

Em boa verdade, o contacto estabelecido com a ajuda dos baldes e dos cocos não serviu para muito. Em 1975, o fotojornalista Raghubir Singh pôs-se a caminho da ilha Sentinela do Norte acompanhado por alguns homens da tribo dos Onge, que ocupa uma ilha vizinha, esperando que o contacto se fizesse com mais facilidade com eles do que com indianos e europeus.

Mais tarde, Singh relatará: ‘Vários negritos (nome dado aos aborígenes de pele negra do sul asiático) saíam da floresta com os seus arcos armadas. Um dos Onge, equipado de um megafone, gritou-lhes: ‘Vimos em paz. Não queremos fazer-vos mal.’ Em vez de resposta, uma chuva de flechas vinham cravar-se no flanco do nosso barco.

Os Onge experimentaram então a música. Começaram a cantar: ‘Vimos de longe e queremos ser vossos amigos.’ Um dos sentineleses começa a balançar as ancas ritmadamente, deliciado, mas o resto do grupo não expressou qualquer gesto de boas-vindas. Decidimos não desembarcar. A cena repete-se sempre. Vieram os do National Georgraphic e não desembarcaram.

Veio o alpinista austríaco Heinrich Harrer, mas não desembarcou. O mesmo se passou com o rei Leopoldo III da Bélgica. Também os funcionários indianos vieram, mas não desembarcaram. Existe um vídeo de uma expedição feita nos anos 1970, onde se pode ver um sentinelese a empunhar o pénis e a agitá-lo freneticamente na direcção dos visitantes.

Os antropólogos estão, ainda hoje, divididos: tratar-se ia de um sinal positivo ou de injúria? Por vezes os homens agitam as suas armas perante estranhos, o que parece não augurar nada de bom. Depois chega uma mulher, vão para a praia e abraçam-se.

6ª lição: Ser obstinado Depois do tsunami de 2004, o governo indiano enviou uma missão de reconhecimento à ilha, que tinha sido duramente afectada pela catástrofe. Para sua grande surpresa, os membros da missão não descobriram qualquer cadáver.

O seu helicóptero foi recebido por revoadas de flechas e de pedras. Com este episódio, os sentineleses tornaram-se célebres de manhã para a tarde. Os meios de comunicação do mundo inteiro apaixonaram-se por esta tribo isolada, e seitas cristãs desenvolveram novas teorias inspiradas no mito de Adão e Eva, segundo as quais os habitantes da ilha seriam os últimos filhos de Deus na terra.

7ª lição: Enviar sinais claros As missões de amizade ‘noz de coco’ terminaram oficialmente em 1996. Depois, o governo indiano proibiu o acesso à ilha. Aparentemente, até o comandante Coustineau e Claude Lévi-Strauss viram recusados os seus pedidos de visita. As águas vizinhas são patrulhadas por navios e helicópteros da marinha. Não obstante, a ilha Sentinela do Norte parece atrair todos os contrabandistas e piratas, traficantes de droga, lenhadores e pescadores de tubarões em busca de um esconderijo próximo das colinas.

Os turistas e os grandes repórteres americanos, cansados de vida monótona de Port Blair na ilha de Andamão (a cerveja é cara, o haxixe é de borla, as prostitutas disfarçam-se de selvagens), regularmente sentem vontade de descobrir, com os próprios olhos, um dos últimos territórios inexplorados do planeta.

Os grandes repórteres americanos subornam pescadores que os levam ao nascer do dia para junto da ilha Sentinela do Norte. No regresso, descrevem em centenas de páginas a emoção que sentiram nessa viagem ao passado da humanidade, e perguntam-se – porque evidentemente não podem ter a certeza – se terão visto bem, de dentro do barco, uma sombra a mexer na floresta.

Em seguida explicam ter decidido fazer meia volta por respeito a este povo tão singular. As últimas notícias da ilha datam de Janeiro de 2006. Dois pescadores de caranguejo, bêbados, vieram dar à ilha na sua canoa, onde os sentineleses os cortaram em pedaços (não os assaram e devoraram como se pensava nas ilhas vizinhas). A família de um dos pescadores pediu ao governo que recuperasse os corpos e punisse os culpados.

O chefe da polícia recusou, justificando que não podia encarcerar toda a ilha. Não se entra em guerra com os sentineleses.

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