Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

 
ADVERTISEMENT

“Lula comprou os pobres do Brasil”

“Lula comprou os pobres do Brasil”

Aos 80 anos, Ferreira Gullar, o último vencedor do Prémio Camões, continua de cabeleira branca pelos ombros e mão enérgica na mesa, quando a conversa sobe de tom. Nascido em São Luís do Maranhão, Nordeste do Brasil, o escritor vive no Rio de Janeiro desde os 21 anos. Foi comunista filiado, lutou contra a ditadura, esteve preso. Tem uma longa e variada bibliografia, com destaque para a poesia. Gullar vota José Serra.

Vê Dilma como “uma marioneta” e Lula como um “ignorante”, “mentiroso”, com “fome de poder”, “a vergonha do Brasil”. A conversa começou exaltada. Ferreira Gullar explicou depois que estava irritado com umas conversas políticas que tivera. E mais para o fim da entrevista dirá, meditativo: “Possivelmente nós vamos perder a eleição.” A campanha ferve.

Publicou um texto chamado “Vamos errar de novo?”, a apelar ao voto em José Serra. Não faz parte de nenhum partido. Porque sentiu necessidade de intervir?

(Ferreira Gullar (FG) – Como cidadão, não só tenho o direito como o dever. Sempre participei politicamente. É uma eleição bastante importante. Pode significar uma mudança para o país e ter consequências sérias.

Há quem ache o contrário, que nada de essencial se vai alterar, seja quem for que ganhe.

(FG) – [Batendo com a mão na mesa] A permanência do PT no poder é uma ameaça à democracia brasileira. Está vendo o que acabou de acontecer? Espancando o Serra!

Foi um rolo de papel [atirado à cabeça de Serra num passeio de campanha].

(FG) – Ah, não, isso é o que o Lula diz. Não acredito no Lula, é um mentiroso.

A campanha de Serra diz que foi um rolo de autocolantes de campanha.

(FG) – Um rolo pesado. E uma repórter da Globo levou uma pedrada na cabeça. Mas não importa o que foi. Não tem que agredir os outros.

Acha que é um sintoma de como a campanha está?

(FG) – Não, o PT é isto. A televisão mostrou um vídeo [dos anos 90] com José Dirceu, então presidente do PT, dizendo: “Esses nossos adversários vão ter de apanhar na rua e nas urnas.” Eles espancam as pessoas. O PT é fascista.

A Dilma também ia apanhando com sacos de água. A minha pergunta…

(FG) – O PSDB se caracteriza por ser um partido pacífico. Não é que sejam santos, mas não é o estilo deles. No caso do PT, não. O PT é isto. Vem dos sindicatos, que são dominados por gangues. O Lula pertencia a um deles. São gangues, que ocupam as instituições, a máquina do Estado. A Petrobras hoje está infiltrada de gente do PT e dos sindicatos.

Em relação a Serra, o senhor cita a criação dos genéricos, o plano de tratamento da SIDA. Exemplos de currículo como ministro da Saúde, como ele foi no Governo Fernando Henrique. Porque acha que ele daria um bom presidente?

(FG) – Porque foi um excelente governador em São Paulo. As obras dele no plano social, da saúde, da educação, comprovam que é um homem responsável e um administrador efectivo.

Como prefeito, a mesma coisa. Agora, a Dilma, sabe de alguma coisa que ela fez? Todo o mundo conhece o José Serra no Brasil. Tem quase 50 anos de vida pública, e nunca foi acusado de ser corrupto, safado, de se apropriar de dinheiro público, de entrar em falcatruas.

Maria da Conceição Tavares, que conhece muito bem Serra desde o exílio no Chile, diz que ele mudou para a direita. Como comenta isto?

(FG) – Queria só que ela me explicasse se ela é de esquerda. Porque, veja bem, o Lula é aliado do Collor [de Melo]. Ele é de esquerda? Por acaso a campanha deles é de esquerda? Aliado com Collor, aliado com o bispo [Marcelo] Crivella, que é um safado, braço direito do bispo [Edir] Macedo, que enriqueceu com o dinheiro das empregadas domésticas, criando a Igreja Universal do Reino de Deus.

Acha que isso é esquerda? Estou a pedir-lhe um comentário em relação ao que Maria da Conceição Tavares disse sobre Serra. A Conceição Tavares afirmar que o Serra é de direita supõe que a Dilma é de esquerda. Então eu estou dizendo quais são os aliados da Dilma.

Acha que a Dilma não é de esquerda?

(FG) – A Dilma de esquerda? Mas o PT não é de esquerda. É um partido corrupto. O PT de esquerda já acabou há muito. O comunismo chegou ao fim. Nós todos, que participámos dessa aventura, somos obrigados a reconhecer isso.

Cumpriu a sua tarefa, mudou o mundo, a relação de trabalho, as conquistas dos trabalhadores. E esgotou a sua tarefa. Então se acabou a URSS, alguém sonha que vai fazer socialismo no Brasil?

 Não é isso que Lula e Dilma propõem.

(FG) – Estou abrangendo a coisa de maneira ampla. Por que é que as FARC [guerrilha colombiana] viraram organização de narcotráfico? Porque não têm mais perspectiva. Vai fazer revolução na Colômbia? Socialismo? Acabou na URSS, acabou na China e vai começar na Colômbia? Sempre que se fala no Serra, as pessoas acabam a falar do Lula, e eu queria falar um pouco do Serra.

Se a Maria da Conceição disse que ele era de direita, estou mostrando que isso é bobagem. Eu conheço a Maria da Conceição, é minha amiga. E ela própria não é de esquerda, porque ninguém é mais de esquerda! Acabou isso, gente.

Já nem existe esquerda?

(FG) – Lutámos pela reforma agrária, pelas conquistas dos trabalhadores. Alguém hoje é contra a reforma agrária no Brasil? Como vai distinguir direita de esquerda?

Falei com pessoas que iam votar Serra mas ficaram desapontadas com a discussão do aborto. Acharam que o PSDB e Serra não a deviam ter levado naquela direcção, tornando-a religiosa, ao tentarem pôr em causa Dilma.

(FG) – Essa questão do aborto não foi levantada pelo Serra. O problema real é o seguinte: o PT é a favor do aborto, a Dilma é a favor do aborto, eu sou a favor do aborto. O Serra tem a mesma posição. Agora, com a candidatura da Marina, os religiosos tomaram uma posição que ameaçava todos os candidatos. Então a Dilma tratou de tirar o corpo fora e o Serra também. Falaram: “Não, não quero perder o voto dos religiosos…”

É isso que pergunto, não foi uma falsa discussão?

(FG) – Você entregaria uma empresa sua para ela dirigir, sem ter tido qualquer experiência anterior?

Mas deixe-me perguntar-lhe…

(FG) – [Ferreira Gullar zanga-se por estar a ser interrompido. Retomamos no ponto em que ele estava.] Eu tenho uma empresa. Porque o meu tio me disse que Maria é competente, sem ela nunca ter gerenciado nada, vou entregar a ela? Não entrego. Compreende? Essa é a situação. Não estou dizendo que o Serra é perfeito. Eu tenho mais confiança nele porque ele tem trabalho feito, e ela nenhum!

A Maria da Conceição e o Chico Buarque só votam nessa coisa porque têm nostalgia da esquerda! Têm de abrir a cabeça para um mundo novo! O comunismo já era, acabou! Sem contar que foi uma besteira. O que é que é Cuba? Eu defendi Cuba, fiz poemas sobre Cuba. É um fracasso completo! Como podem defender uma sociedade em que as pessoas não têm o direito de sair de lá? Em troca de quê? Terá por acaso riqueza lá? Não. É miséria, subdesenvolvimento económico e falta de liberdade.

Eu não vou defender isso, meu Deus. Quero ter o direito, se acho que o país é uma merda, de sair daqui na hora que eu quiser. Ser de esquerda é o quê? Achar que as pessoas não têm o direito de sair do seu país quando quiserem? Isso é uma besteirada. Eles têm medo de serem chamados de direita. Eu não tenho. Porque eu não sou. Tenho a certeza absoluta da minha entrega a uma luta a favor das pessoas, de uma sociedade melhor. Não tenho de dar explicação a ninguém. Mas o Chico tem medo de parecer que é de direita. Problema deles.

O que achou do show de apoio a Dilma com Chico Buarque, Oscar Niemeyer, Leonardo Boff, no Teatro Casa Grande, aqui no Rio?

(FG) – Campanha eleitoral. Hoje o Teatro Casagrande se chama Oi Casagrande, porque a empresa Oi mandou botar. Não tem mais nada a ver com aquele passado [de combate à ditadura]. Eu pertenci ao grupo que realmente lutou contra a ditadura, o Opinião. Nunca ficou rico. Fomos todos presos.

O senhor foi preso com o Gilberto Gil e o Caetano em 1968.

(FG) – É. Mas o nosso teatro teve bomba lá dentro. E começou a lutar em Dezembro de 1964 [meses depois do golpe militar].

Em relação à Dilma, o senhor diz que ela é uma desconhecida. Mas foi ministra…

(FG) – Sem qualquer expressão. O que é que ela fez como ministra? Nada. Foi secretária no Rio Grande do Sul, e segundo a informação de lá foi um fracasso completo como administradora.

… e foi chefe da Casa Civil de Lula, o que lhe dá um conhecimento de todo o Governo.

(FG) – Mas a Casa Civil é um órgão de assessoria do Presidente. É técnico, não realiza nada.

Porque é que o senhor acha que é ela a candidata?

(FG) – Porque o Lula quer voltar em 2014. E então botou uma marioneta. O Lula é a fome do poder. Transparece nele. É a arrogância. Como toda a pessoa ignorante, chega a um ponto e não tem autocrítica, não tem medida.

Ele disse várias vezes que é o único Presidente do Brasil em 500 anos. Porque veio do povo. Mas do povo veio também [o narcotraficante] Fernandinho Beira-Mar. Um bandido, homicida, dos mais cruéis. Mais povo que o Lula. Ele nunca leu um livro. Acha que uma pessoa que nunca leu um livro pode conhecer o Brasil? Sabe do Brasil como? De orelha?

Nunca leu um livro?

(FG) – É. O Lula. Ele declarou, pessoalmente.

O senhor acredita nisso?

(FG) – Ele declarou, em 1980. Disse: “Só leio jornal.” E depois declarou: “Nem jornal, porque vive me perseguindo.” Todo o mundo sabe que ele não lê. Foi deputado federal e não participou em nenhuma comissão. Se vai fazer leis, tem de conhecer as leis que existem. E ele não lê, tem horror disso. Só faz política. Ganhou a eleição em 2002 e não saiu do palanque até hoje. Não é ele que administra o país. Ele só se reúne para saber se aquele projecto prejudica a popularidade dele ou não.

O Lula tem 80% de aprovação. Quer dizer que 80% das pessoas estão enganadas?

(FG) – Primeiro, ponho em dúvida o resultado da pesquisa. As últimas pesquisas davam a Dilma vitoriosa no primeiro turno. Davam que a Marina tinha 10 porcento e teve 20 porcento. Então, pesquisa… E essa do Lula nunca foi testada. Que tem popularidade, tem, mas o índice não sei. O PT foi contra tudo o que todos os Governos fizeram: Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique. Tudo! Negaramse a assinar a Constituição em 1988!

Isso significa o quê?

(FG) – Que não têm responsabilidade com o país. São um grupo de demagogos que querem o poder e se opõem a tudo. Vêem em cada medida correcta uma ameaça ao futuro poder deles. Se tivessem conseguido anular a Lei da Responsabilidade Fiscal, anular o Plano Real, em que o Lula foi para a televisão dizer: “Isto é uma mentira eleitoral que não durará três meses.” Ele disse isto, todo o mundo sabe.

É que o país não tem memória. Se tivessem conseguido anular essas medidas, não haveria Governo Lula, porque ele herdou e se apropriou de tudo o que foi feito antes, que ele combateu ferozmente!

O senhor, que vem lá do Nordeste, a região mais pobre do Brasil, não é sensível ao facto de o Lula ser o homem que tira uma fatia dos brasileiros da miséria, e faz dela pessoas que podem ter uma conta no banco, que podem comprar uma geleira?

(FG) – Exactamente porque conheço o Nordeste é que tenho um juízo diferente. O que tem no Nordeste é falta de conhecimento, de informação e a propaganda que o PT faz. Onde há mais necessidade, e a pessoa ganhou o Bolsa Família, é claro que fica grata. Mas isso é a fonte do populismo. Difícil é conquistar o cara que vive por sua conta. Difícil é conquistar a mim, que trabalho e vivo do meu dinheiro.

Não me conquistam comprando, como o Lula comprou todos os pobres do Brasil. Por isso é que ele tem 80 porcento de aprovação. Ele comprou os pobres. Não tem preocupações de fiscalizar, e pôr em prática a natureza do programa, que é quando o cara conseguir trabalho e sair do programa. Ele quer que tenha cada vez mais gente no programa.

Ou seja, pessoas sem trabalho e dependentes da bondade dele. Não está precupado em resolver problema social nenhum. O Lula é um esperto. Só pensa no poder dele. Foi para o Ahmadinejad fazer o quê? Um bandido. Um facínora. O cara que diz que não houve Holocausto. Que diz que o atentado das Torres Gémeas foi uma invenção dos americanos. Esse cara não tem qualificação de estadista. E o Lula trata ele como se fosse um estadista. Foi para lá achar que ia resolver o problema da pacificação porque é doido. É megalomaníaco.

O argumento de Lula é que está a tentar fazer a ponte entre Norte e Sul, Ocidente e Irão.

(FG) – Veja o seguinte: aquela luta dos palestinos tem mais de 60 anos. Todos os estadistas do mundo tentaram resolver e não conseguiram. E o Lula vai conseguir, sem ter lido um livro? Realmente! Alguém acredita nisso? O Lula, que mal sabe quem é. Chega lá no Oriente, quando o Brasil não tem nada a ver com aquilo lá. Demagogo. Para ter projecção internacional, porque ele é “mega”. Ele é a vergonha do Brasil. É uma vergonha.

Mas tem prestígio internacional. Como explica isso?

(FG) – Tem prestígio na área que acha que operário é melhor. É a herança marxista que ficou. Hoje, todo o professor universitário acredita nisso. Operário é o salvador do mundo.

Estou a falar de Governos. Ele tem prestígio entre Governos.

(FG) – Isso vem do facto de o Brasil eleger um operário Presidente da República. E as pessoas não têm conhecimento do que acontece aqui. Será que um redactor do Le Monde conhece o Brasil mais do que eu? Não conhece. Sabe de ouvir dizer. Há uma lenda em torno do Lula. A minha felicidade é que dentro de três meses ele sai da televisão e me deixa em paz.

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

error: Content is protected !!