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Maputo cada vez menos apta para agricultura

Mulatane Balame, 82 anos, tem saudades dos anos 80, quando a prática da Agricultura na zona da Costa do Sol, arredores de Maputo, Sul de Moçambique, ainda dava rendimentos suficientes para alimentar a família e kpara a venda.

“Tenho saudades daqueles tempos porque produzíamos e colhíamos quase tudo, desde amendoim, feijão-nhemba, batata-doce”, disse esse veterano da Agricultura, sublinhando que esse tal sucesso já não é possível hoje devido a salinidade dos solos. Mas a produção não só fracassou na machamba do velho Balame. O problema é comum para a maioria dos agricultores daquele bairro, 480 dos quais estão filiados a Associação dos Produtores Agrícolas de Maguiguane (APAM).

O presidente desta agremiação, Joaquim Tinga Muando, pratica a agricultura naquela zona de Costa de Sol desde 1965, altura em que os agricultores desenvolviam diversas culturas, com destaque para o milho e amendoim. “Agora já não há nada”, disse Muando, 80 anos de idade, e, apontando para uma planta de meio metro de altura, mas com a as folhas já amareladas: “aquele milho não vai dar nada. Já morreu, praticamente”.

Mudanças

Os agricultores mais idosos defendem que a perda de qualidade dos solos daquela zona começou em finais da década de 1980 quando passou a ser difícil produzir determinadas culturas de sequeiro como mandioca, milho e amendoim devido a salinidade dos solos.

Contudo, outros agricultores acreditam que aqueles solos se tornaram salinos depois das cheias registadas no ano 2000.

Em 2008, uma equipa de pesquisadores da Direcção de Extensão no Ministério da Agricultura (MINAG) e da unidade de Fertilidade de Solos do Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) estudou as potencialidades da agricultura daquela zona, tendo constatado, dentre vários aspectos, que os solos são salinos.

No MINAG foi praticamente impossível ter acesso ao estudo, mas uma fonte anónima que esteve ligada a investigação confirmou a AIM que o maior problema dos agricultores daquela zona é a salinidade dos solos.

“Toda aquela zona é costeira, sendo por isso possível sofrer intrusão salina, uma vez que a água do mar por baixo do lençol freático acaba subindo até a superfície, afectando os solos”, explicou a fonte.

Por outro lado, a água usada pelos agricultores para a rega das suas culturas é salubre, situação que foi agravando, ao longo do tempo, o empobrecimento dos solos.

“Aqueles solos não são aptos para a agricultura. Os agricultores não podem usar qualquer tipo de fertilizantes (orgânicos ou inorgânicos) porque ocorre uma reacção química resultante do contacto desse material e a água salubre”, explicou a fonte, sublinhando que com a falta de adubação, os solos foram perdendo fertilidade.

“Ao fim de mais uma ou duas décadas aqueles solos estarão totalmente pobres … Existe o problema de intrusão salina, mas a uma zona profunda, mas a questão de empobrecimento é por falta de maneio”, acrescentou.

Questionada sobre se este fenómeno não tem relação com as mudanças climáticas, a fonte não descartou essa possibilidade, mas o estudo realizado não teve essa constatação porque não tinha nenhum enfoque nessa área.

A possível explicação disso é o agravamento da intrusão salina no subsolo em resultado da intrusão do mar no continente.

Contudo, a pesquisa sobre mudanças climáticas realizada pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) não faz referência a questão de salinidade dos solos da zona da Costa do Sol, apesar de sublinhar que as mudanças climáticas são uma realidade no país há mais de 40 anos.

No tocante a salinidade, a pesquisa com o título “Adaptação às Mudanças Climáticas em Moçambique – Fase 1”, apenas faz referência a intrusão salina nas bacias dos rios Zambeze e Save, no Centro do país, sem contudo indicar o impacto desse fenómeno na qualidade dos solos.

Mas os agricultores da zona da Costa do Sol dizem que não é preciso nenhum estudo para perceber a dimensão do problema de empobrecimento dos seus solos. Segundo eles, para perceber esse problema, só se precisa observar a paisagem para ver o fraco desenvolvimento das culturas. Por exemplo, o milho perde a coloração verde ainda aos quatro meses de idade e logo depois morre sem ultrapassar a altura de um metro.

Albino Nuvunga, secretário da APAM, explicou que dos cerca de 40 hectares de terra pertencente aos 480 agricultores associados a esta organização, apenas três hectares é que são ainda rentáveis.

Contudo, mesmo nessa área de três hectares, os agricultores tem estado a registar uma fraca produtividade nos últimos anos devido ao empobrecimento dos solos.

Apesar de pequenos, estes números representam uma grande perda para a cidade de Maputo que não dispõe de largas áreas para a actividade agrícola como para as pessoas cuja principal actividade e fonte de rendimento é a agricultura.

E a maioria dos agricultores desistiu de praticar a agricultura naquela zona devido ao fracasso da produção. “Eu já parei de cultivar. Insisti durante alguns anos, mas não ganhei nada. Perdi tudo, por isso desisti”, disse Sérgio Chambal, que agora decidiu abraçar a pesca, enquanto aguarda por melhores dias para a agricultura.

Migrações

Um estudo lançado em Maio de 2009 ilustra o impacto das mudanças climáticas no mundo nas deslocações e migrações de diversas comunidades na procura de melhores condições de vida.

Trata-se do estudo intitulado “Mapeando os efeitos das mudanças climáticas nas Migrações Humanas” que foi realizado por uma equipa de investigadores incluindo do Instituto das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Segurança Humana e do Instituto da Terra da Universidade de Columbia.

Esta pesquisa indica que, apesar dos factores económicos e políticos serem os mais dominantes para as deslocações e migrações, actualmente as mudanças climáticas estão também a ter um efeito notório para essa tendência.

O estudo apresenta situações de países como Burkina-faso, Mali, Níger, Senegal, entre outros, onde os “refugiados ambientais” migraram de um ponto para o outro devido a problemas ambientais, sobretudo os relacionados com a degradação de solos e seca.

Em Moçambique, ainda não houve nenhuma investigação sobre migrações climáticas, mas a realidade agora vivida pelos agricultores do bairro da Costa do Sol pode ser equiparada a dos “refugiados ambientais” do Burkina Faso, Mali, Níger, Senegal ou outro país onde este fenómeno já é preocupante.

Por causa do empobrecimento de solos, este grupo de agricultores do bairro da Costa do Sol procuraram desenvolver esta actividade noutros pontos do país onde a agricultura ainda é rentável.

Primeiro tiveram terra em Chókwè, na vizinha província de Gaza, mas os custos da sua exploração eram elevados devido a longa distância entre a machamba e a principal fonte de água para a irrigação.

Assim, eles continuaram a procurar e lhes foi atribuída uma área de cem hectares em Dzonguene, distrito de Xai- Xai, ainda na província de Gaza, uma zona que, a semelhança de Chókwè, também tem altas potencialidades agrícolas.

Os agricultores da APAM instalaram-se em Dzonguene, onde além da actividade agrícola praticam a pecuária, contando agora com 10 cabeças de gado. Nesta operação, a APAM tem sido apoiada pelo Centro de Promoção da Agricultura (CEPAGRI), uma instituição subordinada ao Ministério da Agricultura (MINAG), e pelos seus próprios membros. Os agricultores mostram-se entusiasmados com essa conquista e estão optimistas quanto ao futuro.Verónica Machalela, uma das agricultoras, diz que as terras de Dzonguene são melhores, primeiro porque são férteis e porque as áreas de cultivo são maiores em relação aos da Costa de Sol.

Segundo ela, enquanto no bairro da Costa do Sol, os agricultores exploram áreas de entre 15 a 16 metros quadrados, em Dzonguene cada pessoa pode ter um, dois ou mais hectares.

Mas será essa migração fácil? Os agricultores do bairro da Costa do Sol poderão agora praticar a sua actividade no distrito de Xai-Xai, a mais de 200 quilómetro das suas famílias e esse exercício implica investimentos constantes em transporte.

Considerando os altos cultos de deslocação regular de um ponto para o outro, estes agricultores poderão instalarse definitivamente em Xai-Xai, onde existe melhores terras aráveis para a agricultura.

“Se tiver terra noutro lugar, posso produzir”, disse Mulatane Balame, o ancião de 82 anos de idade que pensa em “aproveitar as poucas forças que me restam para produzir mandioca, milho, batata-doce e banana para comer, e outras culturas como tomate, cebola e repolho para vender”.

Desde que receberam essa terra em 2008, eles ainda não começaram, de facto, a cultivar.

Mal que veio por bem

Devido ao empobrecimento dos solos, os agricultores da Costa do Sol começaram também a pensar em actividades alternativas à agricultura naquela mesma zona.

Esse exercício foi também motivado pelo elevado apetite de pessoas pelas terras da Costa do Sol, um dos bairros luxuosos da cidade de Maputo que tende a ficar com cada vez menos pobres devido a construção de mansões e condomínios nos locais antes usados para a agricultura.

Assim, a APAM convenceu o Município de Maputo de modo que os seus associados passassem a beneficiar dos projectos implantados nas suas terras. Assim, quando se ergue um condomínio, por exemplo, a APAM passa a ter apartamentos, património que servirá como fonte de receitas para os seus membros mais idosos.

Além disso, esta organização está a construir um salão de processamento de vegetais, um empreendimento que irá permitir o processamento e empacotamento de diversos produtos cultivados tanto em Xai-Xai como nos arredores de Maputo.

Trata-se do primeiro projecto do género na cidade de Maputo que, além de incentivar a produção agrícola local, também irá agregar valor aos produtos agrícolas.

Por outro lado, espera-se que este projecto, que deverá começar a funcionar até Dezembro próximo, venha criar postos de trabalho preferencialmente para os jovens.

“Há males que vêm por bem … O futuro da Associação reside no início do funcionamento do Salão de Processamento de Vegetais”, disse o secretário da agremiação, sublinhando que “este projecto não só irá beneficiar os associados de Maguiguane, mas também a todos os agricultores da cidade, porque não há esta linha de processamento no mercado”.

Todos os agricultores desta associação têm os olhos postos para esses dois projectos: o de desenvolvimento da agricultura em Dzonguene e o do Salão de Processamento de Vegetais em Maputo.

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