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“Calçada Portuguesa faz parte da cultura universal”

“Calçada Portuguesa faz parte da cultura universal”

Foi lançada esta terça-feira, no Instituto Camões, em Maputo, a exposição de fotografia ‘Calçada Portuguesa no Mundo’. Da autoria do português Ernesto Matos, a mostra está integrada no projecto do livro homónimo que demorou 10 anos a ser concluído, levando o autor a cerca de 16 países espalhados pelos quatro cantos do mundo.

O que o levou a interessarse pela calçada portuguesa? Ernesto Matos

(EM) – Sou lisboeta e desde sempre que apreciei a cultura da calçada portuguesa. Como funcionário da Câmara Municipal de Lisboa sempre falei muito com os meus colegas sobre esta arte e também com os calceteiros. Também o facto de ser design gráfico contribuiu muito para isso. Os elementos que estão no chão são muito importantes para mim. Eles, através da pedra, comunicam. Através dos desenhos das pedras, sem darmos conta, transmitimos mensagens. Porque é que colocamos lá caravelas, florões ou motivos marítimos? Tudo isso é vontade de comunicar.

Como é que iniciou o projecto do livro ‘Calçada Portuguesa no Mundo’?

(EM) – Eu tinha várias colecções de postais sobre Lisboa. Certo dia falei com o Eng. Krus Abecassis, Presidente da Fundação Cidade de Lisboa, e como ele era uma pessoa muito sensível nesta área, patrocinou- me uma colecção de 21 postais. Depois fui a Macau e fiquei fascinado. Foi quando me virei para o mundo e surgiu este projecto do livro que demorou dez anos.

Que apoios teve?

(EM) – Tive apoio de várias instituições: Fundação Oriente, Instituto Camões, TACV (Transportes Aéreos de Cabo-Verde) para as viagens, etc.

A calçada portuguesa é cultura portuguesa ou universal?

(EM) -É universal, diz respeito a todo o mundo porque recebe influências de todos os lados. A sua génese é a calçada romana e a árabe. Os portugueses fizeram uma mistura com a sua própria técnica. A pedra é maior do que a utilizada pelos romanos e há figurativo e não figurativo, como nos árabes. Como nos arredores de Lisboa havia muito calcário preto e branco aproveitou-se esse material.

Quando é que se generaliza o uso da calçada nos passeios?

(EM) – A partir de 1840, quando os presos do castelo de S. Jorge, em Lisboa, eram obrigados a partir pedras e a colocá-las no chão do castelo. Em 1847, o projecto foi apresentado ao município de Lisboa e, porque os presos trabalhavam de borla, não foi difícil começar. Foi assim que se pavimentou o Rossio. Depois nunca mais parou. Expandiu-se ao Porto e outras cidades. No início até se usava mais o basalto, só depois é que foi substituído pelo calcário que havia em grande abundância nos arredores de Lisboa e era uma pedra fácil de partir. Depois aperfeiçoaram-se várias técnicas.

Aprender o ofício de calceteiro exige uma grande técnica?

(EM) – Já foi muito mais exigente. Na exposição do Mundo Português, que teve lugar em Lisboa, em 1940, os calceteiros gabavam- se de entre as pedras não caber sequer uma mortalha de cigarro. Agora já está tudo mais adulterado. Agora cabem saltos de senhora (risos).

Quantos países percorreu para este trabalho?

(EM) – Talvez uns 16.

Como é que fez o levantamento?

(EM) – Foi feito boca a boca. As pessoas com quem ia falando indicavam-me.

Qual foi a calçada mais difícil de encontrar?

(EM) – Foi a do Hawai. Alguém me tinha dito que havia mas, quando lá cheguei, ninguém me sabia dizer onde era. Foi um castigo para encontrá-la. Nem sequer o cônsul honorário sabia onde era. Mas lá encontrei à porta de uma igreja.

E em Moçambique que calçadas encontrou?

(EM) – Já tinha estado aqui em 2002 e tinha encontrado muitas, sobretudo em Maputo. Agora estão um pouco mais degradadas, mas foram feitas com tanta qualidade que continuam, embora sem manutenção, muito bem conservadas. Surpreendeume particularmente a que está diante do Museu Nacional de Arte, em que os desenhos são tipicamente africanos. São macondes de Cabo Delgado. São estas influências que tornam a calçada espectacular.

Fora de Maputo encontrou também calçada portuguesa?

(EM) – Na Ilha de Moçambique. Mas curiosamente não está em muito mau estado, embora certos desenhos já quase que não se percebem. Sei que em Nampula há calçada portuguesa mas ouvi dizer que está tapada.

Em outras partes do mundo também constatou influências locais?

(EM) – Sim muitas. No Brasil, em Copacabana, a calçada possui motivos dos índios brasileiros, é extraordinária. Em Cabo-Verde domina, por exemplo, a tapeçaria. Goa, na Índia, é um caso muito curioso. Não havendo calcário na região nem pedras parecidas, utilizaram restos de cerâmica partida para fazer calçadas. Há muitos pátios e varandas que usam esse revestimento. São lindíssimos. Esta interculturalidade é magnífica.

Qual foi a calçada que mais apreciou?

(EM) – Os ‘Dez Cantos dos Lusíadas’ em Macau. São de um rigor extraordinário, sobretudo os vários tons de preto. Só a paciência dos chineses permite aquele rigor.

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