A mulher rural é o principal garante do desenvolvimento do seu meio, devido à sua entrega na produção agrícola e noutras actividades. Mas são as que menos benefi ciam do acesso à terra, ao crédito e a outras políticas de incentivo.
A camponesa Josefa Feliciano está habituada a trabalhar muito, tanto nas lides domésticas assim como nas suas machambas de milho, batata e couve. Desde pequena que se dedica à agricultura que lhe oferece um rendimento regular e constante para o sustento da sua família.
Vende quase metade da sua colheita e guarda o resto para fazer face aos contratempos. Mas a falta de acesso ao crédito, sobretudo ao Fundo das Iniciativas Locais, para desenvolver a sua actividade ameaça a sua segurança alimentar.
Celestina Mabjaia é também uma agricultora que garante a satisfação das necessidades alimentares da sua família através da agricultura. Desdobra-se entre a actividade agrícola e as tarefas domésticas. Desde sempre que a produção de legumes tem sido a sua fonte de renda. Fraco acesso ao mercado e a falta de informação e meios de produção têm sido a sua grande preocupação no dia-a-dia.
Estes são dois exemplos de camponesas que se dedicam à actividade agrícola para combater a carência alimentar na comunidade em que estão inseridas. Em Moçambique, o universo das mulheres rurais constitui cerca de 70% da população feminina moçambicana, e é também a camada que mais trabalha.
Apesar de ser a população mais activa, o seu quotidiano continua a ser marcado por um conjunto de preconceitos culturais, limitando, assim, o direito de acesso à terra, ao crédito, às tecnologias de informação, aos mercados e a um conjunto de infra-estruturas.
Os problemas persistem
Sob o lema “Para acabar com a fome, apoiemos as mulheres camponesas”, mil mulheres rurais dos vários distritos da província de Maputo reuniram-se em Namaacha para refl ectir sobre o seu dia, partilhar experiências, dar visibilidade ao que fazem, além de encontrarem soluções para ultrapassar os diversos constrangimentos que enfrentam no quotidiano.
A festa foi rija. Apesar da chuva e do frio de rachar que se fez sentir naquele ponto do país, elas não abdicaram do seu direito: celebrar à grande o seu dia que se comemora todos os anos a 15 de Outubro a nível mundial.
O dia-a-dia da mulher rural moçambicana continua a ser caracterizado pelo elevado índice de analfabetismo, de mortalidade, a falta de uma assistência médica e medicamentosa, fraco acesso à informação, aos meios de produção, à assistência técnica, ao conhecimento sobre processamento e uso de novas tecnologias de produção, dificuldades do acesso ao crédito, bem como às dificuldades na obtenção do Título do Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT).
Para além destes problemas, as mulheres rurais têm deparado com a exiguidade de água, quer para o consumo humano, quer para o gado, assim como para irrigação, com a fraca presença das mulheres nos órgãos de tomada de decisão, e enfrentado o elevado índice de violência contra as si e as raparigas, principalmente nas escolas.
Numa festa bastante animada, onde não faltaram actividades culturais e uma exposição de bens produzidos por elas, as camponesas queixaram-se de que lhes é negado o direito de uso e aproveitamento da terra a favor de grandes agricultores, além de dificuldades no acesso ao crédito, por sinal, dois aspectos bastante importantes para o desenvolvimento da agricultura e, consequentemente, da economia.
Elas sentem-se discriminadas e em desvantagem, daí a razão das reivindicações, diz Rebeca Gomes, que falou em representação das mulheres camponesas depois de afi rmar que “este é um dia de festa e de alegria porque a mulher rural é muitas vezes ignorada e esquecida”.
Mas a falta de subsídio para a agricultura, os problemas de cheias e secas, e confl itos relacionados com a terra são as suas maiores preocupações. “A resolução sobre o confl ito de terra continua na mesma. A mulher rural sai sempre em desvantagem porque quando aparecem os grandes agricultores que detêm poderes económicos estes retiram a terra alegando que ela não tem capacidade para o seu uso e aproveitamento”, comenta Gomes.
As agricultoras sentem que continuam a ser a camada desprezada e afirmaram, em uníssono, que “queremos ser reconhecidas” como uma categoria da população capaz de fazer algo para o crescimento do país. Apesar das dificuldades, elas têm contribuído para o desenvolvimento nacional através da agricultura, pecuária, comércio, entre outras actividades.
Segundo Eduardo Costa, director da ActionAid Moçambique, o envolvimento da mulher está a melhorar bastante mas ainda é insufi ciente. “A revolução verde só é possível se se fi zer tudo o que for possível para o envolvimento da mulher, quer a nível da produção, quer na elaboração e monitoria de políticas públicas”, diz.
O papel das agricultoras tem sido extremamente importante na gestão familiar e comunitária. As preocupações apresentadas pelas mulheres em Namaacha são legítimas, de acordo com Costa. “Temos estado a trabalhar com elas no terreno e é importante abrir este espaço porque elas são as pessoas que estão mais envolvidas no sector agrícola”, comenta.
O responsável daquela agência humanitária em Moçambique reconhece que a mulher camponesa ainda não alcançou o nível desejável e o homem continua a ser o privilegiado. “Enquanto continuar haver essas relações desiguais de poder, não conseguiremos tirar o país da pobreza”. Além disso, a relação entre as camponesas e os grandes agricultores tem vindo a piorar, uma vez que se está a dar prioridade aos grandes agricultores, ao invés dos pequenos.
Já o director executivo da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), Narciso Matos, afirma que 15 de Outubro é um dia de reflexão e agradecimento pelo contributo da mulher rural de todas aquelas que trabalham no campo no desenvolvimento da comunidade e do país em geral. “Devemos reconhecer todos os dias e não apenas hoje que a mulher é a maioria neste país, sobretudo no campo e é lá donde vem a comida”, diz.
O dia da mulher rural foi instituído pelas Nações Unidas com o objectivo de tornar visíveis as suas acções, reivindicar os seus direitos, ressaltar o papel que ela desempenha e que pode desempenhar no crescimento global.
Refira-se que o encontro foi organizado pelo Fórum Moçambicano das Mulheres Rurais (FOMMUR), instituição que congrega organizações da sociedade civil como a ActionAid Moçambique, FDC e a MUGEDE (Mulher, Género e Desenvolvimento).