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Chiau volta aos estúdios

Calou-se para sempre o criador da marrabenta “Wena unga yali”

É um artista de mão cheia e dispensa apresentações, pois as suas obras revelam-no. Deu os primeiros passos no mundo da música na Igreja Missão Suíça, no afamado bairro da capital do país onde nasceram diversas estrelas do desporto e da Cultura moçambicana: Chamanculo. Hoje, com 50 anos de carreira, o músico moçambicano Gabriel Chiau ainda carrega consigo muita melodia no corpo.

O músico ainda não provou a sua resistência à passagem do tempo e a prova disso é que apenas tem o registo das suas músicas em disco de vinil. Mas o seu grande objectivo, neste momento, é gravar os seus temas em Compact Disc (CD) e, para tal, diz que “irei precisar de um financiamento”.

Nascido a 15 de Outubro de 1939, na arena musical, diga-se, Chiau teve de “engolir sapos vivos”. Porém, diz-se preparado para erguer a cabeça, seguir em frente e deixar pelo menos algum legado depois do “A uni tenderi” – que fez (e continua a fazer) sucesso nas décadas ‘60 e ‘70.

O autor de “Wene Unga Yale”, “Nkata uya Kwinw” e “Ha ku Tlelela ka Untsonguana” – músicas que já foram alvo de recriações

@Verdade: Sabemos que Gabriel Chiau celebrou 50 anos de carreira. A? nal, quem é Gabriel Chiau?

Gabriel Chiau (GC) – Gabriel Chiau é um músico nascido exactamente a 15 de Outubro de 1939.

@V – Como e quando é que começa a vida do Chiau como músico?

GC – Bem, para dizer a partir de quando me conheço como músico, não deixo de invocar uma coisa muito importante: comecei a conviver com a música na Igreja Missão Suíça, onde aprendi as coisas básicas da música, embora de forma muito rudimentar. Tínhamos por hábito aprender a música, aliás, até porque naquele ambiente era um modus vivendi e comecei a ter gosto pela música. Talvez ressalvar aqui que a igreja não tenha sido a grande fonte do conhecimento que hoje detenho, mas um ponto de partida.

@V – Quer dizer que ultrapassou aquilo que foram os conhecimentos transmitidos pela igreja?

GC – Não confundo as qualifi cações de vozes com base na tonalidade das mesmas, estou a falar de baixo, tenor, primeira, segunda e mais. Na Missão Suíça comecei com o trompete, devo sublinhar que foi com grande ajuda do maestro Chemane. Para além da igreja, fui também influenciado pelo meu pai. Ele foi professor e gostava de passar mensagens educativas, e apostei na arte musical para também transmitir mensagens educativas.

@V – Do Gabriel Chiau que cantava na igreja ao actual, como foi essa transformação?

GC – Tendo começado na igreja a tocar trompete, estive no grupo Harmonia, onde tocava viola. Ainda na Missão Suíça fizemos muitas viagens, tanto dentro como fora do país. Sempre ouvíamos músicas dos Djambo e muito mais.

O mais marcante é que, mesmo depois de ter quase abandonado o trompete para tocar viola no Harmonia, mais tarde, voltei a pegar no trompete. Porque adorava o trompetista norte-americano Louis Amstrong e, até hoje, confesso ser fã dele. Percebi a forma como ele trabalhava o trompete, voltei a apaixonar-me mais uma vez pelo trompete.

Devo dizer que nunca faltou intercâmbio entre nós. Naqueles tempos tocávamos nas boites, onde hoje se diz ser a “rua da vergonha”. Na época, estavam a ‘bombar’ músicas tais como “Ku tiku dza wuzonga” “U tendera maxaka yaku”, “Valoyi va hlamankulo” “Ha ku tlelela ka untsonguana” e muito mais.

Fui um dos elementos que conseguiu reunir os outros com quem estive. Nisso, nós fazíamos a exploração de quase tudo o que é som. Falo, por exemplo, do som que se gera ao se pilar o milho (ku thlokola), refiro-me ao milho, e outros.

Veja que no Reggae exploram muito esses sons e depois produzem boa coisa e vendem-nos e compramos na total ignorância. Portanto, é nessa perspectiva que decidimos explorar esses sons e ritmos que até não parecem nada soltos entre eles, mas que, bem trabalhados são uma maravilha.

@V – Para além da música, parece-nos que Gabriel Chiau abraçou outras áreas.

GC – É verdade, não me dediquei apenas à música. Fui actor de um filme intitulado “Deixe-me ao menos subir as palmeiras” em que eu fazia o papel de capataz. O filme é, na verdade, uma parte do livro intitulado “Nós matámos o cão tinhoso” da autoria de Luís Bernardo Honwana e um angolano, isso no tempo colonial.

Foi o primeiro filme rodado no Ultramar por ultramarinos e que hoje é considerado uma obra de ficção exemplar sobre o colonialismo, numa perspectiva crítica e alegórica.

Só para ver, o filme foi, na altura, proibido pela PIDE, sendo, à partida, uma obra pobre, humilde, quase documental, com uma ficção muito singela, à moda do conto tradicional, sobre a condição do indígena tão manietado pelo sistema que lhe fica apenas, para o seu espaço de liberdade, a hipótese de subir às palmeiras. Estivemos na representação com grandes fi guras, estou a falar do velho Macungue, Malangatana, Marcelino Comiche, Luísa Soares, Eulália Mutemba e demais fi guras.

Outro facto marcante, além do filme, foi uma excursão. Fomos para a casa de um régulo, o Katuane. O administrador era branco; foi onde, pela primeira vez, assisti a cinco casamentos em simultâneo, só que, depois da nossa actuação, ele (o administrador), libertou mais de 50 reclusos. Daí fiquei muito emocionado, com a sensação de ter libertado pessoas, senti-me um herói.

@V – Falou-nos do Harmonia, da Missão Suíça, e depois disso, o que é que terá acontecido? Está claro que o grupo Harmonia quase desapareceu.

GC – De lá para cá eu não parei, criei o quinteto Chiau que o tempo ia passando, fomos crescendo em número de integrantes e já não fazia sentido continuar a chamar quinteto. Uma coisa salutar é que, graças à música, hoje conheço muitos sítios, cidades, países e continentes.

Conheci Portugal, fui às Ilhas Reuniões por três vezes, estamos sempre a trabalhar e a tentar, na medida do possível, ser mais abrangentes, não só a nível do país, mas do mundo. Gostaria muito de um dia cantar em mandarim, para que os chineses também escutassem o que canto e agradar a mais pessoas. Uma melancolia para toda a vida

@V – Há quem diga que Gabriel Chiau terá parado no tempo, sendo que desde as décadas de ‘60 e ‘70 não vemos o Chiau. O que é que está a acontecer exactamente?

GC – Pois é, desde que fiz as minhas gravações na então Galo, estou a falar dos “A uni tenderi”, nunca mais voltei a gravar.

@V – Porquê?

GC – Porque quando fazemos os nossos trabalhos, há sempre alguém a plagiar e isso dói-nos imenso. Alguém levou a minha música e foi gravar na Europa. Acredito que, até hoje, está a ganhar dinheiro com isso. Em 1988, aquando da deslocação do Marrabenta Moçambique para a Europa, disseram que era património.

Dói-me muito e por esta razão decidi nunca mais gravar. Portanto, de lá para cá, nunca parámos. Quem não me aproveita nas casas de pastos e eventos, onde tenho dado a minha prestação musical, dificilmente me encontrará noutro lugar. Eu evito até falar de nomes.

@V – Daqui para diante, o que se pode esperar de Chiau? Ainda pensa em voltar aos estúdios?

GC – Na verdade, agora tenho uma outra visão, não posso perder a minha postura, porque alguém fez o que entendeu que devia fazer. Decidi, por solicitação da minha família, amigos, e fãs, voltar aos estúdios e gravar para deixar pelo menos algum trabalho.

Outra coisa é: quem tem olhos para ver sabe distinguir quem faz e quem plagia, por isso voltarei aos estúdios para gravar sendo que, umas das motivações, foi a homenagem dos 50 anos da minha carreira que, na verdade, são mais de 50. Daqui para a frente, o que vou fazer é bater as portas e pedir apoios, porque o dinheiro que tenho não chega para nada, só serve para Txoco-txoco (comer).

Veja que, durante a minha carreira – talvez pelo elevado custo de vida -, só trabalhei para a subsistência e mais nada, o que vês aqui, nada fiz, são apenas heranças dos meus pais. Preciso de ajuda. Hoje sou um indivíduo diabético, com tensão, preciso até de um meio de locomoção, mas não tenho. Gostaria de ser um grande musicólogo, mas não consegui estudar para tal.

@V – Como é que vê, neste momento, a música moçambicana, no que respeita à conservação da Cultura?

GC – Para começar, dizer aos mais novos que a persistência vale e que vão em frente na busca dos seus objectivos. Indo à pergunta, dizer que eu não gosto de ser muito crítico em relação ao actual estágio da música moçambicana, dado que cada momento tem as suas características.

Portanto, é lógico que os jovens não façam taxativamente aquilo que nós fazíamos, do mesmo jeito que, por exemplo, não fiz taxativamente aquilo que o meu pai fazia. Mas há uma coisa, a censura, a autocensura é muito importante.

Não posso estar a escutar algumas músicas com a minha mãe, as minhas fi lhas, por exemplo, pelos palavrões. Não estou a dizer que o músico não deva abordar certos temas, mas que haja maneira de abordar as coisas.

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