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Matérias-primas africanas – uma bênção?

Matérias-primas africanas - uma bênção?

Em termos de recursos naturais, África é o mais abundante continente do mundo. Mas, em vez de uma benesse, a maior parte das matériasprimas de África mostraram ser um peso; alegadamente provocam conflitos, financiam guerras e levam a abusos generalizados no mercado de trabalho. Qual é a história das principais matérias-primas africanas? E que medidas estão a ser tomadas para melhorar a gestão futura dos mais valiosos recursos naturais de África?

O petróleo foi extraído pela primeira vez, para fins comerciais, em Oloibiri, na região nigeriana do Delta do Níger, em 1956, pela gigante angloholandesa Shell. Há agora em África dez nações exportadoras de petróleo, com outras três a prepararem-se para se juntar a este clube selecto.

A BP diz que África detém 127 mil milhões de barris de petróleo inexplorado, o que representa quase 10% das reservas globais. Apesar de não haver dados oficiais, o Standard Bank calcula que o país tenha arrecadado 6 triliões de dólares com o seu petróleo nos últimos 50 anos.

A Agência Internacional de Energia diz que a Nigéria tem uma reserva de 37 mil milhões de barris de petróleo, eclipsando a Noruega – que tem 6 mil milhões de barris. Ainda assim, 70% dos nigerianos vivem abaixo da linha da pobreza e o país é consistentemente classificado por observadores internacionais como um dos mais corruptos do mundo.

Violência

Conflitos ligados ao petróleo na região do Delta do Níger continuam a constituir uma ameaça. O grupo de pressão, Human Rights Watch, alega que mais de 500 trabalhadores da indústria petrolífera e outros civis foram raptados na região.

Centenas de outros foram mortos em actos de violência entre grupos rivais, que lutam por uma maior parcela dos rendimentos do petróleo e protestam contra os danos ambientais causados pela extracção de petróleo. Calculase que roubos de combustível de oleodutos custem anualmente à Nigéria cerca de 5 mil milhões de dólares.

O Presidente Goodluck Jonathan tentou acabar com os conflitos no Delta, oferecendo aos rebeldes dinheiro e empregos em troca do silêncio das armas. Ele está também empenhado em limpar a região de Ogoni, no Delta do Níger, afectada por uma grave degradação ambiental.

Escrevendo na sua página na rede social Facebook, Goodluck Jonathan avisou os nigerianos de que as reservas de petróleo não são eternas, e que “quando esses recursos secarem ou o mundo encontrar alternativas adequadas, teremos de depender do nosso meio ambiente para sobreviver”.

Apesar da sua riqueza petrolífera, a Nigéria tem de importar 60% dos combustíveis que consome devido à falta de capacidade doméstica de refinação.

Contratos cancelados

Em 2007 foi descoberto petróleo no Golfo da Guiné, junto à costa do Gana. O gigantesco campo petrolífero Jubilee deverá começar a produzir ainda em 2010. O Fundo Monetário Internacional, FMI, diz que o Gana pode arrecadar 20 mil milhões de petrodólares até 2030, potencialmente transformando a sua economia e também a de São Tomé e Príncipe.

Em Março de 2010 o governo ganês bloqueou uma proposta de 4 mil milhões de dólares apresentada pela gigante petrolífera Exxon Mobil para comprar 23% do Jubilee. A empresa norueguesa Aker, que ganhou os direitos de exploração do Jubilee nos tempos do anterior governo do Gana, também foi informada do cancelamento da sua licença. Em vez disso, o executivo está a trabalhar para que os contratos sejam entregues à sua própria companhia estatal, a Ghana National Petroleum Corporation.

O Presidente John Atta Mills planeia proteger os rendimentos do comércio de petróleo no que é descrito como um “fundo de estabilização” para o futuro do Gana. Ele insiste que o governo prestará contas por todo o dinheiro ganho com a exploração petrolífera.

Há dez importantes nações produtoras de diamantes em África, onde a indústria está avaliada em 158 mil milhões de dólares anuais. O maior produtor é o Botswana, em que os diamantes contribuem com um terço do Produto Interno Bruto. O transporte fácil e o alto valor dos diamantes transformaram-nos numa fonte favorita de financiamento para grupos rebeldes em África.

Angola, Congo e Costa do Marfim foram sujeitos ao comércio de “diamantes de sangue”, apesar do caso mais mediático ter sido o da Serra Leoa. Durante os 10 anos da brutal guerra civil serra-leonesa as minas de diamantes de Kono foram controladas pelas forças rebeldes da RUF, liderada por Foday Sankoh. Os diamantes traficados da região foram alegadamente entregues a Charles Taylor, na altura Presidente da vizinha Libéria, que, em troca, ajudou os rebeldes com armamento.

Em 2002, depois do fim da guerra na Serra Leoa, e sob pressões internacionais, o Conselho Mundial de Diamantes criou o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley. O sistema tem por objectivo impedir que diamantes de zonas em conflito sejam vendidos no resto do mundo a compradores desinformados. Os 45 membros do Conselho Mundial de Diamantes representam mais de 99% da produção mundial.

Contudo, grupos de pressão, como a Global Witness, dizem que o sistema não é totalmente efectivo. A Global Witness alega que os diamantes de países na “lista negra”, como o Zimbabwe, continuam a ser comercializados de forma rotineira no mercado internacional, particularmente em jurisdições menos reguladas como o Dubai, a Índia e as Maurícias.

A produção de diamantes continua a ser uma importante fonte de rendimentos para África. Na Serra Leoa, os rendimentos do comércio de diamantes subiram em 25% – para 35 milhões de dólares – nos primeiros seis meses de 2010.

Telemóveis

O coltan é um minério usado no fabrico de telemóveis, de condensadores eléctricos para computadores e de consolas de jogos. Uma das maiores reservas do mundo está na República Democrática do Congo, onde mais de 5 milhões de pessoas teriam sido mortas numa guerra civil que se prolongou por uma década e que terminou em 2003.

Observadores internacionais alegam que a região leste do país, a principal área de extracção do coltan, continua insegura. A maior parte das minas de coltan na RDC estão no remoto distrito de Kivu Sul.

Em 2001, um relatório do Conselho de Segurança da ONU alegou que grupos rebeldes, que se reagruparam no país a seguir ao genocídio no vizinho Ruanda, haviam assumido o controlo das minas e estavam a usar o coltan para financiar as suas operações, em geral com recurso a mão-de-obra infantil.

Entre esses grupos estavam o CNDP, uma força rebelde Tutsi liderada pelo General Laurent Nkunda, e as FDLR, um grupo rebelde Hutu responsável pelo genocídio ruandês de 1994, que contou com o apoio do governo congolês do então Presidente Mobutu.

O relatório concluiu que a RDC estava a sofrer um roubo “sistémico e sistemático” dos seus recursos naturais, com o CNDP por si só a arrecadar 250 milhões de dólares em 18 meses com a venda de coltan.

Depois da publicação do relatório, algumas das maiores companhias de telemóveis do mundo – a Nokia, a Samsung e a Motorola – começaram a inspeccionar os seus fornecedores com vista a erradicar o uso de coltan congolês. Mas um novo relatório das Nações Unidas publicado em Dezembro de 2008 alegava que o roubo de minérios na República Democrática do Congo continuava intenso.

Calcula-se que, em 2008, o Ruanda tenha feito 19 milhões de dólares com a venda de coltan, uma subida de 72% em relação ao ano anterior, apesar de não haver coltan em território ruandês. Especialistas dizem que o processo de produção, que tem o coltan misturado com outros minérios e convertido em tântalo, torna praticamente impossível a identificação da fonte do produto final.

‘Grande problema’

Contudo, continuam a crescer os protestos em relação ao comércio de “minerais de conflito”. Em Junho registaram- se protestos na cerimónia de inauguração de uma nova loja da Apple na capital norte-americana, a cidade de Washington, com activistas a exigirem que a companhia se engajasse numa “política de minerais limpos”.

Mas o chefe da Apple, Steve Jobs, disse que apesar dos melhores esforços da sua companhia, isso continuava a constituir “um problema muito difícil”. A página da Intel no Facebook foi também atacada por grupos a favor de sanções internacionais mais duras para o controlo do comércio de coltan. Algumas das maiores companhias de produtos electrónicos do mundo, receando uma reacção negativa, recusam agora comprar coltan da África Central, optando em vez disso pela Austrália, o Canadá e o Brasil.

Apesar das crescentes atenções internacionais, as autoridades congolesas não introduziram uma política a longo prazo para orientar a extracção de coltan e para gerir os rendimentos da indústria. Apesar de terem sido feitas experiências, não há um sistema de certificação, similar ao do Processo de Kimberley para os diamantes, para identificar as fontes do coltan.

Desemprego

O açúcar deverá transformar- se, no futuro, num dos mais importantes produtos de exportação de África, não apenas como um produto alimentar, mas devido ao papel que desempenha na produção do biocombustível etanol.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, o maior produtor mundial de açúcar, visitou quatro países africanos para discutir a produção de etanol e a criação de economias pouco poluentes. Moçambique, que continua num processo de reconstrução depois de uma guerra civil de 20 anos, espera que o açúcar ajude o país a desenvolver-se.

Apesar de a economia moçambicana ter crescido anualmente em 8% na última década, mais de metade da sua força de trabalho está desempregada. Oitenta porcento dos moçambicanos que trabalham são camponeses.

O Centro Moçambicano para a Promoção da Agricultura, Cepagri, espera beneficiar com o aumento dos preços do açúcar, que no ano passado atingiram o seu nível mais alto dos últimos 28 anos. A estratégia passa pela duplicação da produção e pelo aumento das exportações para 500 mil toneladas anuais até 2012. Foram reservados 48 mil hectares de terras para a produção de açúcar em seis distritos, com vista à criação de 17 mil postos de trabalho.

O governo também investiu 10 milhões de dólares num novo silo de açúcar no porto de Maputo. Cerca de 40% das exportações moçambicanas de açúcar têm como destinatários os mercados europeu e norte-americano. O país beneficiou de um acordo de comércio preferencial com a União Europeia, apesar da oposição do poderoso lobby europeu de agricultores.

‘Bons lucros’

Mas grupos antipobreza estão cada vez mais alarmados com a especulação nos mercados globais de alimentos. O fundo de cobertura Armajaro Holdings acaba de efectuar a maior compra individual de cacau dos últimos 14 anos. Adquiriu mais de 240 mil toneladas do produto na África Ocidental, o equivalente a 7% dos fornecimentos globais, provocando receios de que pretende armazenar o cacau para forçar a subida do seu preço.

O chefe da Armajaro Holdings, Anthony Ward, rejeita esta alegação e diz que o investimento é a longo prazo. Segundo ele, “é a longo prazo que os alimentos dão lucros”. Mas o Movimento para o Desenvolvimento Mundial quer que se combata este tipo de comércio.

A organização pediu à União Europeia que estipule os montantes que os investidores privados podem injectar nos mercados de “matériasprimas ligeiras”. A Fundação Fairtrade acrescenta que acordos como o da Armajaro Holdings deixam os pequenos agricultores perigosamente expostos aos maus períodos dos mercados. Diz também que, em última instância, aumentam os riscos de carência de alimentos entre as populações mais pobres de África.

Mas Anthony Ward, o proprietário de uma vinha substancial em Voor-Paardeberg, na província sul-africana do Cabo Ocidental, indicou que continuará com o seu programa, tendo como alvo alimentos produzidos em África, incluindo o açúcar. E ele não está sozinho; um dos financeiros mais poderosos do mundo, o bilionário George Soros, também estará a investir na capacidade de produção de alimentos em África.•

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