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Desempregado que nos mata

Desempregado que nos mata

Se perguntar a um jovem moçambicano sobre o mercado de trabalho em Moçambique, é provável que lhe responda: “É o que não existe neste país”. Enquanto alguns poderão duvidar da veracidade desta afi rmação, é verdade que a vida não está fácil para ninguém.

Jorge Tembe, de 32 anos de idade, mora na casa da irmã. É desempregado, não tem uma formação técnico-profi ssional porque não quis estudar, quando pôde. Tem a sexta classe feita, há mais de 9 anos, e não equaciona voltar à escola porque “já não vale a pena”, diz.

O seu dia começa cedo. Às 5 da manhã já está de pé e ajuda nas tarefas domésticas. Quanto o ponteiro do relógio marca as 7h30 desce à rua em direcção ao bar que fi ca no seu bairro, a pouco mais de um quilómetro da sua casa, para jogar “bilhares”. Uma rotina habitual, diga-se. Para ele não se trata de uma actividade recreativa, mas de um jogo na base de apostas.

Ou seja, há dinheiro envolvido. Com os seus amigos (um grupo composto por cinco pessoas), discute como será feita a disputa, o valor da aposta e os primeiros oponentes na mesa. Efectivamente, dois disputam a primeira partida e, volvidos 15 minutos, o vencedor leva 200 meticais. Agora é a vez de Jorge. Em causa estão 300 meticais e, decorridos alguns minutos, sai derrotado. Não está desanimado, afi nal, anda nisso há muito tempo e sabe que “nem sempre se ganha”. Poucos minutos passados das 11h00, volta à mesa do jogo apostando, desta vez, 200 meticais e a sorte esteve do seu lado.

Por volta das 13h30, almoça, se é que se pode chamar de almoço a um prato de sopa e pão, naquele local. Fica o dia todo a jogar bilhar. Só regressa à casa às 18h00 e com seis partidas jogadas, das quais quatro vencidas (mais uma em relação ao dia anterior), e com 500 meticais no bolso. “Não é fácil ter um trabalho neste país. Quero um emprego, mas onde vou encontrar? Jogando bilhar, consigo algum dinheiro e ajudo a minha irmã nas despesas diárias”, comenta voltando para casa, pois mais um dia se foi, igual ao de ontem e, provavelmente, não muito diferente do de amanhã.

Salimo Gervásio

Aos 25 anos, Salimo Gervásio vive com os pais e tem uma formação técnico-profi ssional: é técnico de correntes fortes. Se há quem afi rme que o despedimento foi a melhor oportunidade de crescimento que lhe surgiu, não é o caso de Salimo. Ele está sem emprego desde o princípio do ano passado e, apesar de ter bastante tempo disponível para fazer coisas que tanto desejava, mas não podia devido ao trabalho, tais como conversar com os amigos e visitar parentes, a situação actual está longe de ser agradável: “É frustrante fi car sem emprego e já não sei o que fazer”, diz.

Regularmente, acorda às 7h00, ajuda nas lides domésticas, vai comprar pão para o pequenoalmoço e fi ca a ver televisão até ao meio-dia. No período da tarde, vai à biblioteca ver anúncios de vagas no jornal e volta a casa. Nos últimos dois meses, já deixou 26 currículos em diversas empresas e, para a sua revolta, até agora não teve nenhuma resposta. Salimo não se fi a no empreendedorismo devido a uma experiência falhada por falta de fi nanciamento: “É pouco fi ável optar pelo empreendedorismo a não ser que nasças numa família com boas condições fi nanceiras”.

De há uns tempos para cá foram-lhe aparecendo uns biscates que sumiram num ápice. Como um estrangeiro, já circulou pela cidade à procura de soluções. Nos últimos dias, resignado, fi ca em casa a ver televisão. Às vezes, passa o dia a dormir, pois “assim esqueço um bocado sobre vida”. Para não desanimar e entrar em depressão, decidiu fazer um curso de inglês, com aulas das 17h00 às 18h30 durante os dias úteis da semana. Para o ano pretende ingressar-se numa universidade, por isso além do inglês pensa em preparar-se para os próximos exames de admissão.

José Mabunda

Além dos dois, conversámos com José Mabunda, de 29 anos de idade e com um diploma do curso superior em Sociologia. Arrenda um quarto e há dois anos que a sua rotina tem sido a mesma: passar o dia a procurar emprego. Diz que se levanta tarde da cama porque já se acomodou. Os dias são-lhe insuportáveis, quer nas manhãs, como nas tardes e mesmo à noite: “Ando profundamente revoltado porque não existem oportunidades de trabalho para recém-formados. Já não sei o que fazer”.

Apesar das difi culdades, dias há em que acorda mais animado, com um moral elevado e cheio de auto-estima: percorre a cidade de lés a lés, vê os anúncios dos jornais, arquitecta projectos mas as coisas não dão certo.

Para sobreviver recorre à sua máquina impressora que lhe permite fazer algum dinheiro. “O meu irmão envia-me dinheiro para pagar a renda do quarto e, para comer, faço impressão. Todos os dias penso em como me virar. Às vezes, durmo até ao meio-dia para não me preocupar com o ‘mata-bicho’, a não ser que venha alguém querendo imprimir um documento”, comenta.

Enquanto as coisas não melhoram, pensa em vender o seu computador que adquiriu para fazer o trabalho de fi nal do curso pois, afi rma, “tornouse um objecto de luxo”. Além disso, precisa do dinheiro para se candidatar a uma vaga de professor numa instituição de ensino médio privado.

‘O que sabemos nós sobre os jovens desempregados em Moçambique? Apenas que existem vários espalhados pelo país. Dizem-nos os números do Instituto Nacional de Emprego e Formação Profi ssional (INEFP) que só na cidade de Maputo existem cerca de 15 mil desempregados – contas de 2009 – e para o rácio apenas se somam os inscritos.

Nestes números não constam, por exemplo, os nomes de Jorge Tembe, Salimo Gervásio, José Mabunda, jovens no desemprego que @Verdade acompanhou no seu dia-adia, e de milhares de outros que andam à deriva pelo país. De diferente têm apenas a idade e a história, mas o desafi o é semelhante: vencer o desemprego, ou seja, são jovens cujo estigma se colou à pele.

Em Moçambique, cerca de 30 mil jovens entram na idade activa anualmente, mas pouco são os que conseguem entrar no mercado de trabalho. Ou seja, milhares de jovens convivem diariamente com essa realidade e travam uma luta para sobreviver ou garantir mais um dia de vida.’

Consequências de desemprego na vida das pessoas

Cientistas sociais têm vindo a verifi car as consequências do desemprego na vida das pessoas, sobretudo no que se refere à saúde física e mental. Os estudos convergem no que diz respeito aos efeitos negativos que a falta de emprego pode provocar na vida do desempregado, na dos seus familiares e na sociedade em geral. As pesquisas feitas demonstram que a situação de desemprego “está associada à ocorrência de distúrbios psicológicos, tem uma relação com a emergência e o agravamento de problemas sociais, como o aumento da criminalidade, e também com o desencadeamento de sentimentos negativos, como a redução na autoestima” e não só.

Também as preocupações com o desemprego geram interferências nas outras actividades desenvolvidas durante o dia e a noite do desempregado, já que afectam a forma de relacionamento dos desempregados com os seus próximos ou outras pessoas, como também prejudicam as horas destinadas ao descanso.

Segundo a psicóloga Marta Castelo-Branco, a falta de informações sobre os critérios de selecção para as funções às quais os indivíduos concorrem, assim como a ausência de uma resposta do CV submetido ou sobre os resultados dos processos selectivos aos quais se submetem provocam nos desempregados uma sensação de estarem a ser privados dos seu direito básico como seres humanos, além de “sentimentos de revolta, decepção, tristeza, desamparo e perda de esperança”.

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