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Manifestações em Maputo e Matola: Como explicar a organização da Revolução violenta

As manifestações que tiveram lugar nas cidades de Maputo e Matola nos dias 1 e 2 de Setembro continuam a ser alvo de uma diversidade de explicações de diferentes áreas do saber. De forma breve e hipotética tentarei tecer uma possível explicação, sobre como é que teria ocorrido a manifestação mesmo com a ausência de uma organização formal e uma liderança visível.

A maioria das explicações que pude acompanhar cinge-se no porquê da ocorrência daquele fenómeno, ou melhor, nas causas das manifestações. Eu proponho-me trazer a outra face da moeda ou a face oculta da história, isto é, como foi possível aquilo que Marx chamaria de uma revolução violenta liderada pelo proletariado. Que processo de organização teria contribuído para a eclosão das convulsões sociais de 1 de Setembro.

A minha proposta surge na esfera de um frequente questionamento das pessoas quando interagem em diferentes espaços, isto é, no espaço público como no privado oiço perguntas do género: Como é que simples mensagens geraram a ocorrência daquele vulcão social? Nos termos Marxistas, como foi possível a revolução violenta? [2] Caros leitores todo o processo que tornou aquele vulcão social [3] numa realidade pode ser compreendido e explicado à luz de um teorema que é um princípio fundamental da sociologia, formulado por William Isaac Thomas, que explica a situação que pode acontecer com alguns bancos em períodos de crise.

Passo a citar:

“Se os indivíduos defi nem as situações como reais, são reais nas suas consequências”.

Um exemplo clássico do Teorema de Thomas em acção é:

– Se muitas pessoas seguem o falso rumor de que por exemplo um determinado banco está a falir e todos eles vão retirar o seu dinheiro das suas contas, o banco vai à falência na realidade, apesar de que a crise começou simplesmente como um rumor.

É neste sentido que julgo terem sido preparadas as manifestações, os indivíduos defi niram as convulsões sociais ou manifestações como reais e tiveram as suas implicações, isto é, o rumor de que no dia 1 de Setembro haveria greve tornouse realidade, uma vez ter sido defi nida antes como real.

– A crise do petróleo em 1973 é um exemplo protótipo de como este teorema funcionou e acabou dando lugar ao chamado “pânico do papel higiénico”.

O rumor de uma escassez no fornecimento de papel higiénico, causado pela diminuição na importação de petróleo conduziu muitos residentes dos Estados Unidos da América a comprar e armazenar grandes quantidades de papel higiénico deixando os supermercados desabastecidos. Foi assim como um rumor se converteu em realidade.

Assim foi também com as manifestações dos dias 1 e 2 de Setembro nas cidades de Maputo e Matola. Tudo começou com rumores facilitados por mensagens emitidas por telemóveis e com números na sua maioria desconhecidos. Isso contribuiu de forma imensurável para dar origem às manifestações e criou um cepticismo diante dos que recebiam os rumores.

Só quem fez um exercício apaixonado à razão é que as tomou seriamente. Vejam o quão o social é complexo! Esta complexidade precisa de ser desconstruída à luz de uma leitura baseada em lentes que permitam ler melhor a realidade. É preciso refl ectir sobre como um simples rumor se tornou realidade.

Não será nestes termos que se diz que “é de pequeno que se torce o pepino?” Daí que questiono: e se Governo tivesse tomado a sério o rumor? E se as medidas para fazer face ao elevado custo de vida tivessem sido tomadas antes do vulcão social? E se o Governo não tivesse aumentado o preço do pão, haveria manifestações? Afi nal quem sãos os “vândalos” [5] que saíram para manifestar? O que signifi ca a subida do preço do pão para o vândalo?

Será que houve uma comunicação política adequada?

Estas e outras questões constituem a minha proposta para uma refl exão ao ler este texto que carinhosamente escrevo para si, no décimo quarto dia do nono mês de 2010. É preciso compreender e explicar o social, desfazendo a sua complexidade. “O social é explicado pelo social” já dizia o sociólogo francês Émile Durkheim.

Resgatando as ideias de antropólogo Malinowski [5], diria que para captarmos um fenómeno social precisamos de fazer uma imersão profunda nas águas do desconhecido.

Para terminar, devo chamar a atenção para a necessidade de refl ectirmos em torno do que Karl Popper chamou de responsabilidade da ciência. A tecnologia proporciona-nos imensuráveis prazeres por um lado mas também grandes dissabores. Eu não acredito que a manifestação não foi organizada e não teve liderança. Houve sim, temos de perceber que estamos a caminho de uma era digital, onde as relações sociais se desenvolvem no ciberespaço, que permite a interacção sem a presença física dos indivíduos. Hoje as novas relações sociais estão a desenvolver- se no ciberespaço, é neste novo espaço que tudo é planeado, caso das manifestações. Mais não disse!

[1] Termo adoptado de Karl Marx.

[2] Minha tentativa de aproximar ao questionamento de natureza Marxista.

[3] Refi ro-me as manifestações ou convulsões sociais.

[4] Vocábulo usado pelo ministro do Interior aquando das manifestações em entrevista à TVM

[5] Antropólogo que introduziu o método de trabalho de campo na Antropologia.

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