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Um dia no Banco de Socorros do HCM

Um dia no Banco de Socorros do HCM

Tanto de noite como de dia nada os detém, homens e mulheres avançam determinados para uma das suas maiores lutas: salvar vidas mesmo quando tudo dorme, assim é no Banco de Socorros do HCM, um lugar onde o trabalho não pára. Terça-feira, pouco passa das 12 horas.

A noite cai suave e a brisa entra pelas portas e janelas, percorrendo os corredores, uma avalanche de pessoas entra e sai numa correria ditada pela busca incessante da saúde: estamos no Banco de Socorros do Hospital Central de Maputo.

 O calvário de Mabunda

Adérito Mabunda, de 31 anos de idade, mas com aspecto de quem tem 50, vagueia na sala de espera dos doentes. O seu aspecto frágil e debilitado denuncia uma doença grave. “Estou a pedir dez meticais para apanhar transporte que me levará ao bairro Patrice Lumumba onde vivo. Estou fraco e tenho as pernas a doer”, diz dirigindose a nós e, sem nos dar tempo de resposta, acrescenta: “sou seropositivo e descobri há sete meses, por via de uma crise de tosse que não parava, até os médicos concluírem que se tratava de uma tuberculose associada ao HIV/SIDA” Após cumprir o tratamento no Hospital Geral da Machava, onde fi cou internado, Mabunda diz que passou a receber antiretrovirais no HCM, mas antes teve uma recaída que o deixou entre a vida e a morte. Por causa dessa pausa perdeu o emprego de cobrador com o qual contava para viver.

Hoje sobrevive como um zéninguém entre a casa de uma tia desempregada e o Hospital Central onde regularmente busca medicamentos ao mesmo tempo que aproveita para mendigar. “São dores atrás de dores. Mas o meu maior ponto fraco é o formigueiro que me ataca as pernas. Estou a lutar para recuperar a minha vida de outrora”, desabafa enquanto mostra um frasco de anti-retrovirais para onde, além da cura, deposita todas esperanças para uma vida melhor. Encorajado com nossa presença, mostra-se descontraído e fala de si, lembrando os dias em que gozou de boa saúde e teve forças para trabalhar.

“O último emprego que tive foi o de cobrador de um chapa. Não tenho mulher nem fi lhos, mas se tivéssemos que olhar para o futuro, com certeza que já teria criado uma família para zelar por mim nestes dias em que mais preciso. A minha tia carece de meios para me apoiar”, desabafa. Até a meia-noite, quando saímos dali, o calvário de Mabunda foi um dos casos mais penosos com que deparámos.

O trabalho não pára

Efectivamente, quando nos fizemos ao local, pouco sabíamos sobre o dia-a-dia, ou seja, as noites no banco de socorro da maior unidade hospitalar do país. Ali o trabalho não pára. As equipas substituem-se, umas às outras em turnos, nomeadamente serventes, seguranças e médicos, num processo que prossegue pela noite adentro até ao raiar do sol, e assim sucessivamente. As ambulâncias vão e vêm, trazendo e levando os doentes que são transportados em macas pelos corredores. Nos fi ns e começo da semana, particularmente ao fi nal da tarde, princípios da noite e da manhã, a procura atinge o pico, mas a partir das 23 horas o ambiente é normal.

Nessa hora é possivel ver as macas encostadas à parede, ambulâncias estacionadas e os serventes a conversar, quer com os pacientes, quer com os colegas, mas sem largar o trabalho, pois embora a contagotas, os doentes não param de chegar. Sem nos apresentarmos como jornalistas, de maneira informal, fomos conversando com os segurancas, serventes e enferemeiros que nos falaram sobre os moldes de funcionamento daquela unidade hospitalar. Segundo eles, o doente entra da seguinte maneira: ou espera na sala após a inscrição, que custa 150 meticais quando o indivíduo não vem transferido de uma outra unidade hospitalar, ou entra directamente, caso a situação seja grave.

Em casos de pacientes provenientes de outros hospitais, a taxa de pegamento é de um metical. Esta medida, segundo um aviso publicado no local, vai até 20 de Setembro em curso. A partir desta data será abolida o pagamento de qualquer valor (taxa moderadora) para se ser atendido. Contudo, os pacientes só serão recebidos mediante a apresentação de uma guia de transferência do hospital geral da sua área de residência. Não é preciso guia para pacientes que têm problemas como: crise de asma brônquica, de epilepsia, hemorragia digestiva alta, acidente de viação e queimaduras. Com a abertura do processo, a pessoa espera na sala dos doentes de onde o chamam para a triagem, enquanto os familiares aguardam na sala ao lado, reservada aos acompanhantes.

Nesse processo, os enfermeiros analisam os casos e chamam um por um, num espaço de tempo que varia entre cinco a dez minutos de espera. Ali percebemos a impaciência, o medo e a incerteza que caracterizam os doentes naqueles momentos. Os pacientes aguardam na sala de espera até serem chamados para irem ao encontro do médico. Se não tiverem de realizar qualquer exame, saem e voltam para casa. Caso contrário, fi cam na sala de triados, até serem novamente observados. E aí há dois destinos: ou vão casa ou a são internados. Nesses momentos, com os nervos à fl or da pele, nem o televisor que funciona por ali, nem o sorriso simpático das enfermeiras minimizam o desespero das pessoas. Muitos vêem a vida por um triz. Pensam que não sairão dali vivos ou que a sua presença signifi ca o princípio do fim.

Eram 22h30 quando deparámos com uma mulher de pouco menos de 35 anos. Está sentada entre o laboratório de urgências e a pequena cirurgia. Apresenta sinais de preocupação e não pára de atender chamadas telefónicas. Perguntámos-lhe o que sentia. “Não sou eu que vim buscar ajuda, mas sim o meu marido. Sofre de diabetes há dez anos”, conta sublinhando que está a falar na condição de anonimato. “Durante estes dez anos já recorremos a vários locais, mas está a ser impossível. A situação piora porque às vezes o meu parceiro é teimoso. Um dos aspectos mais preocupantes é que os médicos aconselhamno a tomar insulina, mas como muitas pessoas dizem que não é bom, ele não compreende o que está certo”. Entretanto, fi cámos a saber que o local não serve apenas para receber e tratar doentes.

O Banco de Socorros é também refúgio para os sem abrigo. Muita gente da rua recorre ao local, não só para se abrigar do frio nocturno, mas também para buscar protecção. Em consequência disso, às vezes são reportados casos de roubos de celulares. Para conter a situação, a segurança foi reforçada, numa rotina que funciona 24 hora por dia e o trabalho não pára.

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