Dezenas de milhares de pessoas assistiram à cerimónia de promulgação da nova Constituição em Nairobi Com um simples movimento da sua caneta, o Presidente Mwai Kibaki mudou o Quénia para sempre. Momentos antes de promulgar a nova Constituição e mostrar o documento perante a multidão entusiasmada, ouviram-se canhões a disparar 21 tiros para celebrar o acontecimento e uma banda militar tocou o hino nacional. Foi a altura certa para anunciar o que os líderes políticos do país chamam de “nascimento da segunda república”. E há muito para celebrar.
O debate em torno de uma nova Constituição começou há vinte anos, subindo de tom e voltando a enfraquecer a cada crise nacional. Finalmente, no início deste mês, um referendo aprovou o documento proposto. Nova Constituição abre esperança para fim de conflitos étnicos Depois de tudo, é um reconhecimento de que algo fundamental tem de mudar no Quénia se este país, sempre que há eleições, quiser fugir aos repetidos confrontos sangrentos entre as diferentes etnias.
O facto dos conflitos só acontecerem em tempo de eleições foi uma pista para solucionar o problema. E não é que exista algo inerente às tribos que seja incompatível; a questão é a forma como a constituição original encoraja os políticos a explorar as diferenças tribais.
Corrupção “abundante”
Na antiga Constituição, o presidente era todo-o-poderoso e podia fazer reuniões sem a supervisão do Parlamento. Os presidentes também podiam criar um gabinete cheio de parlamentares que lhes deviam favores. Não havia uma separação clara entre o governo e o poder judiciário. O sistema de governação provincial encorajava a competição tribal por trabalhos e dinheiro.
A corrupção era habitual e a responsabilização quase não existia. E a propriedade de terra – uma questão fundamental para a identidade tribal – era dividida e repartida de acordo com a manipulação de votos eleitorais e retribuição de favores políticos.
O analista político Kwamchetsi Mokhoke acredita que a nova Constituição ataca todos estes problemas e ainda mais. “É uma nova tentativa de criar uma nação que se regula pela competição de ideias e sujeitos, em vez de forçar as pessoas a unirem-se por etnicidades para defenderem os seus interesses.” Isto não é só mudar as linhas em que o país foi construído. Os autores do novo documento mudaram completamente a forma como o poder é distribuído e gerido. Todas estas mudanças, de alguma maneira, acrescentam formas de controlo dos centros de poder e enfraquecem as políticas tribais.
Mudanças significativas:
- Supervisão do Parlamento da maioria dos encontros e decisões presidenciais
- Limitação do número de lugares no governo
- Senado para rever decisões parlamentares
- Substituição dos governos provinciais poderosos por uma rede de pequenos condados
- Criação de uma Comissão de Serviços Judiciais
- Carta de Direitos dos cidadãos
- Comissão territorial para devolver propriedades roubadas e rever abusos no passado
“Abrir as nossas mentes”
Os kikuyus no campo de refugiados de Pipeline sabem bem o que é o tribalismo. Todas as 1250 famílias que vivem na cidade de tendas de plástico em Nakuru, fora do Vale de Rift, fugiram das suas casas para escapar aos vizinhos depois das eleições de 2007. Mesmo agora, quase três anos depois, não podem regressar.
Mas já há pessoas, como o director do campo, Paul Thiongo, que estão surpreendentemente optimistas. “Os quenianos agora abriram as suas mentes”, disse Thiongo. “Eles sabem o que estão a fazer. Não é como dantes. No passado eram-lhe ditas coisas pelos seus líderes e eles seguiam-nos sem levantar questões. Agora sabemos os nossos direitos. É por isso que penso que tudo vai mudar.”
Algum cepticismo continua, no entanto, a ensombrar as celebrações. Austin Ajowi também experienciou algumas das piores matanças na conhecida favela do Vale Mathare, em Nairobi. Aqui, não foram apenas os membros de grupos de etnias rivais que se mataram uns aos outros – a polícia também se envolveu. Ajowi organiza torneios de futebol numa praça inclinada, esburacada e suja, cujo terreno está a ser reinvindicado. Esta é a sua forma de tentar ultrapassar algumas das divergências na comunidade. “Penso que haverá algumas mudanças. Mas, para mim, a verdadeira mudança só acontecerá quando os líderes também quiserem mudar.”
Quando questionado se acreditava que os políticos quenianos estavam prontos para a mudança, Ajowi limitou-se a encolher os ombros. Ainda assim, há um sentimento, provavelmente mais de esperança do que de confiança, de que alguma coisa profunda está para acontecer no Quénia. Mas, a nação que se prepara para renascer é muito mais prudente do que aquela que emergiu da independência há quase meio século.