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Moçambique tem um imensurável potencial agrícola mas cerca de 50 % do povo sofre de subnutrição

Qualquer um que faça uma viagem terrestre, mas especialmente aérea, entre a Africa do Sul e Moçambique e vice-versa, notará, certamente, um interminável mosaico de grandes farmas verdejantes ou já prontas para a sementeira em quase todo o território sul-africano, enquanto que no moçambicano, o que irá ver é um imenso mato fechado que nem o da Amazónia, ou pelo menos savanas que nunca mais terminam.

Regra geral, os que têm viajado regularmente de avião, sabem logo distinguir a olho nú, quando é que estão a sair ou a entrar em território sul-africano ou moçambicano porque essas farmas, ou esse mato fechado, são como que rótulos ou marcas registadas que os dizem em que país já estão a sobrevoar. Pessoalmente, acho que se fosse um estudante, e me perguntassem em que estado de desenvolvimento agrícola se encontra Moçambique, responderia que está no estado de virgindade quase completa.

De facto, dados estatísticos que compilei a partir de estudos de peritos moçambicanos ligados a um Projecto da FAO, denominado “CountryStat”, que têm estado a avaliar o (in)desenvolvimento agrícola dos países membros daquela Organização da ONU, providenciam, no caso de Moçambique, mais do que um facto, que (com)provam que esta minha hipotética resposta, seria a mais certa, porque em termos agrícolas, o pais ainda é mesmo virgem.

É que dos 39 milhões de hectares que são, por assim dizer, aráveis ou agricultáveis, somente menos de 5% é que estão sendo cultivados, mas mesmo assim, usando métodos que não permitem que se tire o seu máximo potencial. Exceptuando as zonas costeiras, o interior do país está quase desabitado e desaproveitado em termos agrícolas ou de qualquer outra actividade humana. Quando muito o que se explora é a madeira e pouco mais.

O que prova que não só se está a aproveitar muito pouca terra arável em Moçambique, é que por cada hectar em que, por exemplo, se cultiva arroz, apenas se consegue 1,2 toneladas deste cereal, quando entendidos nesta cultura, como o Dr.Carlos Zandamela, do INIIA em Maputo, diz que se podiam colher, pelo menos, entre 4 a 6 toneladas, se se aplicassem técnicas recomendadas, como se aplicam noutros países, como acontece na China, Tailândia ou Vietname, onde se colhe entre 8 a 10 toneladas ou um pouco mais por hectar, em solos com as mesmas características e potencialidades como os moçambicanos.

Para o Dr. Zandamela e outros peritos também moçambicanos que aceitaram dar a sua opinião sobre porque é que o rendimento por hectar no país é assim tão baixo, disseram que o que está por detrás destas baixas colheitas e, dum modo geral, trava o desenvolvimento agrícola em Moçambique, é que os camponeses locais continuam a cultivar a terra tão rudimentarmente como o faziam os seus antepassados de há centenas de anos.

Ao contrário dos de outros países, onde se cultiva com tractores e outras máquinas pesadas que fazem tão bem o telinforma 24.08.10 pag.4 trabalho que devia ser tão mal feito por milhares de camponeses, em Moçambique o instrumento que mais se usa, é ainda a enxada de cabo curto, e somente um punhado de seus camponeses é que usam, quando muito, charruas de tracção animal, sendo que os que têm tractores continuam a ser uma espécie muito rara no país.

Para quem já teve a oportunidade de viajar pelo país inteiro, especialmente de helicóptero, como eu já o fiz várias vezes nos últimos 4 anos, fica-se com a sensação de que Moçambique é um país de ninguém, porque quase todos os seus pouco mais de 20 milhões de habitantes, vivem concentrados nessas zonas do litoral do Oceano Indico ou nalgumas bolsas do interior, porque boa parte do país está mesmo desabitado e virgem em termos de exploração agrícola.

Isto abona com razão o actual Presidente moçambicano, Armando Guebuza, quando despende boa parte do seu tempo nas zonas rurais, onde tem se assumido como um verdadeiro Messias tentando convencer os seus compatriotas das zonas rurais a serem mais dados ao trabalho e a mudarem de atitude, e assumirem uma cultura de trabalho que os possa catapultar do estado de indigência em que vivem, para um melhor. Ele vê a Revolução Verde como solução-mãe para este atraso na agricultura moçambicana.

De facto, se se passasse dos métodos rudimentares para outras em que se usasse meios mais robustos e boas técnicas de maneio da terra, e outros insúmos que concorrem para aumentar as colheitas, como as regas, fertilizantes ou adubos, Moçambique seria hoje mais do que auto-suficiente no domínio alimentar, e teria excedentes para exportar para todos os países que não dispõem de terras aráveis, como os do Médio Oriente, que têm mais desertos e que usam os milhões de dólares que amealham pelo petróleo de que a natureza os dotou, como único recurso natural, para comprar a comida que não podem produzir.

Seria, certamente, auto-suficiente, e um dos maiores exportadores de bens alimentares, porque estes mais de 15 milhões de seus moçambicanos são um grande potencial que daria a Moçambique uma vantagem comparativa e que colocaria o país à frente dos que só contam com uma minoria da sua população na agricultura. Estes são os casos da Alemanha e dos EUA, onde somente 4% dos seus povos se dedicam às actividades agrícolas, mas que, mesmo assim, têm auto-suficiência alimentar e exportam milhões de toneladas de excedentes para todo o mundo.

Esse seu punhado de camponeses produzem mais porque usam os tais meios robustos que acabam sendo capazes de produzir tanto para o seu auto-sustento, e ainda restar muita colheita para alimentar os seus milhões de compatriotas, e ainda para os do resto do mundo.

O que mostra que a falta de meios adequados não permite que estes mais de 15 milhões de camponeses tirem o máximo proveito das imensas e férteis terras em que vivem é que somente 1 % (sim, um por cento) de um total de 3,6 milhões de explorações ou propriedades agrícolas, é que estão no conjunto das grande explorações, cujas áreas vão de 200 a 500 hectares.

O que prova que o país tem apenas um numeroso exército de camponeses totalmente ineficazes para a batalha contra a fome no país, é que 99 por cento das 3,6 milhões de propriedades ou explorações agrícolas, e que comprazem 1,5 milhão de hectares cultivados, fazem parte do conjunto das pequenas explorações cujas áreas vão de 10 a 50 hectares. Mais do que isto, é que além de serem muito pequenas, a sua produção ou “output” é também muito pouco. Por exemplo, a produção total de milho, arroz, mapira e mexoeira esteve sempre entre 1.400.000 e 1.500.000 toneladas em toda a história agrícola do pais, o que é bastante baixa.

No caso do arroz, que é um dos cereais menos produzidos no país, mas que é a de maior procura e, obviamente, um dos mais caros nas zonas urbanas moçambicanas, a sua produção total interna nunca passou de 150 mil toneladas por ano, o que é uma gota no oceano, quando comparada com a de outros países que, embora tenham pouca terra, como o Vietname, atinge agora 38 milhões de toneladas/ano, dos quais seis milhões se destinam à exportação, incluindo para Moçambique.

O que salta logo à vista quando se analisam esses dados é que a agricultura em Moçambique ainda é rigorosamente feita com os mesmos instrumentos que se usavam há centenas de anos, resumindose à enxada de cabo curto, e somente alguns poucos camponeses se valem da tracção animal ou, na melhor das hipóteses, usam o tractor. Isto faz com que as áreas cultivadas sejam muito pequenas, que só dão para o auto-sustento dos que cultivam essas pequenas explorações, e nunca tenham excedentes que possam vender para alimentarem os seus compatriotas que vivem nas zonas urbanas, agora num crescimento acelerado, como tem estado a acontecer em quase todos os países.

Uma vez chegado aqui, fica mais do que evidente, que é este uso de meios rudimentares no cultivo e na colheita, que faz com que Moçambique seja forçado a importar, principalmente da Africa do Sul, mas também doutros países tão longínquos como o Vietname e a Tailândia, quase todos os víveres que os seus habitantes precisam para se alimentar, especialmente os pouco mais de cinco milhões que vivem nas cidades, número a que se adiciona os estrangeiros que aqui vão se radicando cada vez mais aos magotes, atraídos pelas suas imensuráveis riquezas, especialmente as diferentes pedras preciosas, a que agora passa a se adicionar o invejado petróleo, cuja descoberta foi anunciada oficialmente na última Segunda-feira.

Há que se parar de gastar milhões para se importar comida que o pais pode produzir a muito baixo custo

Durante a investigação que fiz para entender porque é que Moçambique tem de importar quase toda a comida com que alimenta o seu povo, quando dispõe de terras tão suficientes e muito férteis, como as do Vale do Zambeze, no Centro do país, e da região de Chókwè, na zona Sul, soube que o problema reside no facto de que a agricultura nunca se considerou como vital para todo o outro desenvolvimento.

Um dos técnicos que assim sentencia é o mesmo Dr. Carlos Zandamela, que tem estado há mais de 20 anos a lutar para que se assuma, de uma vez por todas, que a guerra que se trava no país contra a pobreza, só será ganha se o país produzir comida suficiente para todos os seus habitantes.

Ele contou-me semana passada com ar desgastado, no seu gabinete de trabalho, que o que está sendo feito agora é pegar no dinheiro que o país consegue amealhar com a exportação de outros produtos, como a tal madeira e mariscos, para se importar comida a preços de ouro, quando se podia produzir internamente a preço de banana.

Se produzíssemos a comida que precisamos, o dinheiro que amealhamos com a venda de outros produtos, como as tais madeiras, camarão ou mesmo carvão, telinforma 24.08.10 pag.5 agora que está a começar a explorar-se em Tete, seria aplicado noutras áreas vitais para o nosso progresso como povo, como as da educação, saúde e outras que agora recebem quinhentas do Orçamento Geral do Estado, porque gastamos milhões de dólares na importação da comida que podíamos produzir a muito baixo custo, disse o Dr. Carlos Zandamela, visivelmente triste, porque tanto ele como os seus colegas não estão, segundo ele, sendo entendidos por quem de direito. Para ele, o que está mais do que provado que o mais que se faz em Moçambique, são discursos e decisões que depois nunca mais passam de letra morta.

Ele vincou que, em termos rigorosos, a produção agrícola no país continua sendo feita nos mesmos moldes e técnicas em que era feita no tempo colonial, e que o mais que se tem feito de diferente agora, é fazerse conferências ou seminários em que se tomam decisões muito bonitas, mas que nunca se chaga a por em prática.

“Este é o nosso maior calcanhar de Aquiles”, disse em tom lamentoso, antes de vincar que a agricultura em Moçambique só terá pernas para andar, melhor, para correr – porque só correndo é que poderá acertar o passo – quando se assumir que é com um povo bem alimentado que se desenvolve um país.

Ele pode ter razão, tanto mais que, sou dos que acredito que tem razão Mandela quando diz que um povo faminto não tem cabeça para perceber seja o que for e muito menos para pensar e ter forças para fazer qualquer coisa que seja, muito menos para desenvolver um país.

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