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Eleitor 2010: Software africano ajuda cidadãos brasileiros a fiscalizar eleições

Durante a onda de violência no Quênia após as eleições de 2008, um grupo de amigos criou um sistema pelo qual pessoas de diversas partes do país podiam compartilhar online notícias sobre agressões e assassinatos, enviadas em tempo real pela internet ou por celular. O Ushahidi (testemunha, em swahilli) virou um sucesso de cobertura participativa de acontecimentos importantes no mundo inteiro, e chega agora ao Brasil pelo Eleitor 2010 – um instrumento inédito de fiscalização das eleições. Cidadãos-repórteres de todo o país podem enviar denúncias sobre irregularidades no processo eleitoral, que são inseridas e publicadas em um mapa na internet, formando um Crowdmap. Para isso, o Ushahidi usa a plataforma do Google Maps.

O Centro Knight entrevistou os responsáveis pelo Eleitor 2010: a idealizadora, a jornalista Paula Góes, e os colegas Diego Casaes e Thiana Biondo. Eles falaram de Londres e de São Paulo, onde também trabalham como editores e tradutores da rede internacional de blogs informativos Global Voices Online: Como surgiu a ideia do projeto?

Paula: Acompanhei o uso do Ushahidi nas eleições de Moçambique (outubro do ano passado), e tinha ouvido falar de outras experiências semelhantes na Índia, no México, na Bolívia e no Sudão (embora cada uma com uma proposta diferente). A ideia de usá-la para as eleições no Brasil veio no final do ano passado, ao me lembrar da época em que trabalhava como produtora de TV e da loucura que era cobrir o período eleitoral – recebíamos inúmeras denúncias da população mas nunca tínhamos equipes para apurar todas elas, sem contar as limitações de pessoal, tempo e espaço na TV, o que resultava em frustração tanto para o eleitor, que sentia como se seu testemunho não tivesse nenhuma importância, quanto para o jornalista, que se sentia impotente diante de tantas denúncias.

Qual o principal objetivo do Eleitor 2010?

Paula: O objetivo principal é montar um observatório das eleições 2010: fazer um retrato colaborativo do processo eleitoral de acordo com a ótica do eleitor, de forma nunca vista no Brasil. Também queremos fomentar o debate sobre as eleições, sobretudo entre os jovens; despertar valores anti-corrupção; promover a cidadania e a liberdade de expressão; e servir de fonte de informação para os meios de comunicação e as autoridades, como o Ministério Público Eleitoral.

Por que usar o Ushahidi?

Paula: A plataforma me pareceu ser a solução perfeita para satisfazer esse anseio da população de participar mais ativamente como fiscal das eleições, dando voz principalmente àqueles eleitores que moram longe das capitais, em locais onde a imprensa não chega, ou onde a mídia é dominada por determinados interesses políticos. Também por causa dos recursos de crowdsourcing, coleta e visualização de dados e pela simplicidade de uso. Claro que contou muito o fato de não nos custar nada (além de sem fins lucrativos, o Eleitor 2010 não conta com nenhum patrocínio).

Como funciona o processo de recebimento e apuração das denúncias?

Diego: O eleitor envia um relato ao site pelo email relato@eleitor2010.com, por mensagem sms (ainda não implementado), hashtag no Twitter, mensagem em nossas redes sociais ou no próprio site. Os relatos são avaliados por um moderador, que os marcará como confirmados ou não antes de publicar cada um. Ele também marcará um grau de credibilidade da fonte (por exemplo, se foi testemunha ou vítima). Após a publicação, esses relatos aparecerão no mapa e podem ser filtrados por região ou categoria. As informações ficam disponíveis para todos, de maneira transparente, inclusive para as autoridades competentes e a grande imprensa. Os usuários também podem confirmar ou negar relatos por meio dos comentários e dos indicadores de positivo/negativo. O Ushahidi tem sido usado em diversos países, em circunstâncias diferentes.

Quais as experiências de maior sucesso?

Thiana: A primeira da lista seria a do Quênia, em 2008, por terem criado a plataforma, hoje usada no mundo inteiro. O Ushahidi voltou a entrar em ação no Quênia este mês com uma plataforma batizada Uchaguzi (decisão), que serviu para cobrir o referendo sobre a nova Constituição, com um sucesso maior ainda do que a primeira vez. Podemos citar também Madagascar, onde a plataforma foi instalada para denunciar a violência gerada pelo próprio governo, que vendeu terras para sul-coreanos sem revelar valores e ainda promoveu o aumento de preço na comida. O caso chamou a atenção das Nações Unidas e da Anistia Internacional. Outras experiências bem-sucedidas foram as coberturas de desastres naturais no Chile e no Haiti. O Ushahidi foi usado para mapear as áreas que sofreram com o terremoto, o que ajudou no resgate de sobreviventes, na distribuição de ajuda humanitária e na reconstrução das cidades mais afetadas. Foram mais de mil relatos. A plataforma é considerada um excelente veículo para reportagem colaborativa em tragédias, já que há um esforço maior da população em fazer a sua parte.

Paula: O Ushahidi está na crista da onda, acaba de ganhar o prêmio de melhor blog no Best of Blogs da Deutsche Welle. E quanto ao monitoramento de eleições? Paula: Já foi usado no Sudão, no México, em Moçambique e na Bolívia, mas nenhuma dessas instalações foi considerada particularmente bem-sucedida, e em algumas ela não foi aberta à população (ou seja, foi usada apenas por observadores oficiais). A expectativa de todos é que o Brasil se mostre o primeiro caso de sucesso. Na Índia, a participação ficou abaixo do esperado…

O que é determinante no sucesso ou fracasso do uso da plataforma?

Thiana: A participação do cidadão. Gaurav Mishra, um dos idealizadores do Vote Reporting India, nos sugeriu formar parcerias e promover a divulgação em escolas, além de deixar claro para a população que não temos autoridade para resolver os problemas relatados nas denúncias.

Paula: Depois desse encontro com ele decidimos começar a usar a plataforma imediatamente, para que no dia da eleição mais eleitores saibam usá-la. Abrimos para relatos pré-campanha, estamos agora colhendo denúncias da fase de campanha e esperamos que no dia da eleição, uma boa parte da população esteja sabendo das possibilidades que tem com o Eleitor 2010.

Quais os relatos mais interessantes que já receberam?

Paula: Gosto muito do caso de Coari, cidade do interior da Amazonas, talvez por ser um dos primeiros interessantes e completos. No dia da estreia do Brasil na Copa do Mundo, o prefeito local distribuiu camisetas verde-amarelas com o número do candidato que ele apoiava bem grande nas costas. O relato foi feito no Eleitor 2010 no dia seguinte, com fotos e tudo. No mais, é incrível a quantidade de relatos de envios de spam para usuários que não haviam se cadastrado para receber esse tipo de comunicado, o que evidencia a compra de endereços eletrônicos. Em outro caso interessante, recebemos denúncia de abuso de email marketing. Um membro da equipe do candidato acabou confessando o crime eleitoral ao deixar um comentário na página da denúncia pedindo desculpas pelo envio do email para a pessoa que denunciou: “Nossos e-mails são enviados através de uma uma lista que nos é fornecida por pessoas de igrejas e instituições filantrópicas que formam nosso cadastro”. Isso significa que o cadastro foi obtido de forma irregular, pois a lei diz que é vedada a utilização, doação ou cessão de cadastro eletrônico de clientes, em favor de candidatos, partidos ou coligações.

Como o Eleitor 2010 interage com os meios de comunicação tradicionais? Há um complemento de papeis?

Paula: O Eleitor 2010 pode vir a ser uma grande fonte de pauta para os meios de comunicação, que podem ter acesso a denúncias feitas pela população nas áreas que cobrem e conduzir suas próprias investigações para apurar o relato. O complemento do trabalho da grande imprensa acontece por que a plataforma está disponível para eleitores de todas as cidades brasileiras, incluindo aquelas que não encontram normalmente grande espaço na mídia, seja pela distância ou por outros fatores. Jornalistas interessados podem cadastrar seus emails e receber alertas, especificando a área que cobrem.

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