O Campus saiu às ruas da cidade de Maputo, para tentar perceber que vantagens o cartão de estudante confere aos seus utentes. No terreno constatámos que, para além da requisição de livros, e da renovação de matrículas, aquele dispositivo serve para pouco mais…
São nove e picos da manhã e o sol ainda não se decidiu a nascer, o vento desliza pelas ruas, aquieta-se nas bermas das paredes, assobia nas poças de água suja e a cidade de Maputo já regista um movimento invulgar. Na paragem dos Transportes Públicos de Maputo (TPM), em frente à Escola Secundária Josina Machel uma porta se abre: entramos num machimbombo e seguimos a rota Museu/Zimpeto com o objectivo de verificar, no local de chegada, se o facto de possuirmos um cartão de estudante reduz o valor do bilhete. Debalde. No destino, leia-se bairro do Jardim, o revisor recusou-se a fazer qualquer desconto, mesmo depois de termos apresentado o cartão de estudante.
Continuando com o roteiro, vimos, mais uma vez, os nossos objectivos frustrados em três livrarias, onde com a ajuda do cartão pretendíamos adquirir um dicionário de língua portuguesa, cujo valor pecuniário ultrapassava as nossas capacidades financeiras. A seguir fomos a alguns restaurantes e bares para tomar um refresco, porém o problema continuou, até chegarmos a uma loja onde as coisas atingiram o extremo, quando o vendedor/ proprietário afirmou não se lembrar de ter ouvido falar de descontos para estudantes.
De acordo com o mesmo, os clientes do seu estabelecimento são medidos com base no seu bolso e não por questões académicas. “Isso de beneficiar de descontos é lá nas universidades, aqui não funciona”, afirmou a fonte. Apesar de tudo, depois de várias consultas, ficámos a saber que nem sempre as coisas constituem um calvário quando se pretende usar o cartão fora das universidades.
Além da academia, há locais e ocasiões em que a sua entrada ou acesso aos serviços estão condicionados à apresentação da cartolina. Nesta ordem de ideias, destacam-se os museus, as discotecas e alguns locais de espectáculo, embora nos dois últimos casos as vantagens mudem de acordo com a vontade dos proprietários ou organizadores dos eventos. Quanto aos museus, o acesso a estudantes é gratuito, contanto que apresentem o cartão que os identifica. Caso não, sujeitam-se a pagar o valor estabelecido no local.
Portanto, com base nesta experiência, a nossa equipa de reportagem ouviu vários actores do processo a fim de colher os seus pontos de vista e as razões que eventualmente podem estar por detrás do problema. Como resultado, apurou-se uma série de reclamações, sugestões, queixas e promessas. Algo envolvido num clima em que os estudantes e as suas associações, empresas e estabelecimentos comerciais, cada grupo de forma singular, procura levar a água ao seu moinho.
E no estrangeiro?
Em países como Portugal, Brasil, África do Sul e outros, o cenário é diferente. Nessas latitudes, até as escolas do ensino básico a funcionar em zonas mais recônditas adoptam cartões de estudantes com vantagens que vão para além da identificação. Essas benesses traduzem-se muitas vezes em descontos nas operadoras de transportes aéreos, rodoviários e não só. Há também uma série de promoções para estudantes nos
estabelecimentos comerciais como: casas de entretenimento, restaurantes, cinemas, lojas e livrarias. Tomando como exemplo Portugal, alguns bancos estabelecem protocolos através dos quais as instituições adoptam como Cartão de Estudante, o cartão magnético. Por outro lado, apoiam conferências e seminários realizados pelas universidades e concedem prémios em dinheiro aos melhores alunos finalistas das instituições, em cada ano lectivo.
Associações dos estudantes
Estas entidades reconhecem a existência do problema, todavia, garantem que os ventos que soprarem nos próximos dias trarão notícias boas sobre o assunto, pois há uma série de medidas a serem desenvolvidas nesse sentido.
Segundo fontes da AEU-UEM, esta instituição está a trabalhar no sentido de inverter o quadro. E, em resultado desse esforço, assinou-se no dia 14 de Agosto um memorando de entendimento com a Gringo, um grupo moçambicano dedicado à venda de vestuário. O acordo assinado prevê um desconto de 20% para todos os estudantes da UEM que comprarem qualquer artigo da marca Gringo nas suas lojas, excepto os que estiverem em promoção.
“Aos estudantes bastará exibir o cartão para fazer o usufruto do acordo… estão em curso negociações com livrarias e casas de entretenimento para a concessão de descontos similares”, pode ler-se num documento recebido na nossa Redacção.
Por outro lado, sem precisar datas, muito menos os mecanismos, informações que nos vieram do Instituto Superior de Ciências e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM), dão conta de que, brevemente, a instituição vai contar com um novo cartão de estudante. Nesse depoimento falou-se igualmente da possibilidade de a nova geração de cartões apresentar uma série de bónus. Como exemplo, a nossa fonte adiantou que os estudantes do ISCTEM vão passar a beneficiar de descontos na compra de artigos em lojas como a Classics, Bayana e Livraria Minerva.
Empresas e estabelecimentos comerciais
Por sua vez, as empresas, instituições, e os vários estabelecimentos comerciais divergem na forma de abordagem em relação ao assunto. Sendo assim, algumas livrarias da cidade defendem que só oferecem descontos a empresas que compram em grandes quantidade, para depois sublinhar que nalgumas vezes concedem descontos de 10% às faculdades que se mostram interessadas. Porém, outros garantiram-nos que nunca foram abordados para tais propósitos, porque, se fosse o caso, aceitariam sem pestanejar. E acrescentam: “Seria uma boa oportunidade para promover os nossos produtos e serviços nas universidades e escolas”.
O testemunho dos estudantes
Regina Paulo é estudante do terceiro ano do curso de direito na UCM em Nampula. Para ela, além do uso normal como instrumento de identificação académica e ingresso nas bibliotecas, este dispositivo tem sido pouco útil. Segundo a mesma, o cartão é importante nalgumas vezes quando certas transportadoras aéreas decidem fazer promoções para estudantes nas suas tarifas. Mas, diz que devia haver mais oportunidades.
“É difícil estudar nessas condições…”
Uma estudante da Faculdade de Direito da UEM, que resolveu falar na condição de anonimato, diz ser difícil formar-se nessas condições. A vida de estudante em Moçambique é um martírio, devia haver políticas e medidas que visassem beneficiar essa classe. Os livros são caros, principalmente para o estudante com poucos recursos, como um bolseiro. “Vou falar-lhe de mim como o exemplo mais prático e simples. Veja só, estudo direito, sou bolseira e através do Orçamento Geral do Estado recebo1350 meticais por mês. Essa quantia não cobre a compra do meu material, basta lembrar que um código do processo penal custa 1200 meticais nas livrarias da praça. Então, como é que vamos produzir um conhecimento de qualidade nessas condições?”. E vai longe: “Penso que é por essas e outras razões que os nossos dirigentes mandam os seus filhos estudar na Europa”.
“Existem polícias que recusam o cartão…”
Segundo Eusébio Augusto, a frequentar o curso de Português na UP em Lichinga o cenário é lastimável. Para ele, há falta de consideração em relação ao estudante. Esporadicamente, aparecem casos caricatos em que alguns polícias recusam o cartão como meio de identificação, alegando desconhecê-lo. E questiona: “Como é que as coisas vão andar bem, se até as autoridades policias ignoram o valor do estudante como a seiva desta nação?”. Portanto, para Eusébio, esse trabalho devia mobilizar a todos, incluindo o Estado.
“Devia-se legislar sobre o assunto…”
Nessa ordem de ideias, há estudantes que propõem a necessidade de criação de legislação visando criar benefícios em certas áreas como assistência médica, transporte, etc. Um deles é Bertino Alberto, da Faculdade de Direito da UEM, que acha ser insignificante o reconhecimento ao estudante que se verifica no país. “Muitas vezes, quando se negoceiam alguns assuntos, não passam de actos sem fundamento jurídico e, normalmente, as faculdades fazem-no de forma isolada”. Rematou.
Afinal, para que serve o cartão de estudante? Eis a questão do debate que @Campus coloca, por via das sensibilidades dos vários estudantes espalhados pelo país fora.