As residências universitárias R6 e R7, assim como tantas outras da UEM, acolhem estudantes de baixa renda e são as únicas onde estudantes de ambos os sexos partilham o mesmo recinto. Mas o relacionamento entre eles não é dos melhores. Em causa está a situação sentimental. Antigamente existiam espaços distintos para raparigas e rapazes, isto é, era difícil imaginar jovens de ambos os sexos a dividirem o mesmo espaço.
Os alojamentos estudantis também não escapavam a esta restrição, e, ainda por cima, eram muito rígidos não só no que tange à entrada do sexo oposto, mas também ao horário de entrada. Actualmente, esse panorama mudou radicalmente, hoje é possível encontrar rapazes e raparigas a partilharem o mesmo recinto. A título de exemplo, podemos referir as residências R6 e R7, masculina e feminina, respectivamente, que se encontram no interior do Campus Universitário da UEM.
Estas residências são sobejamente conhecidas por Tangará, nome que muitos dos residentes preferem não comentar sobre o seu significado e a sua proveniência, uma vez que existe há anos, mas um dos residentes garantiu-nos que o nome traz consigo uma carga pejorativa. As mesmas acolhem jovens estudantes bolseiros apenas da UEM, oriundos de diversas províncias do país. Nestas residências, separadas uma da outra por um pequeno jardim, os rapazes e as raparigas circulam livremente por ambas os lares.
Esta realidade não trouxe vantagens – quem assim afirma são os estudantes universitários do sexo masculino que ali vivem, em causa está a ausência de relacionamento sentimental entre os estudantes. No entanto, para os rapazes, o facto de as moças terem envolvimento sentimental fora daquele recinto mostra-se um problema e com isso, surge o ambiente nada saudável entre os moradores das duas residências. Os homens chamam as mulheres de ‘babaluanas’ e, por sua vez, elas tratam-nos por ‘tangarinos’.
Contudo, ninguém sabe explicar ao certo os motivos dessas alcunhas. A situação é frequentemente abordada nas conversas dos corredores, porque eles acreditam que os acontecimentos nesta área têm repercussões nas suas vidas e no futuro da sociedade. Por essa razão, os rapazes sentem-se praticamente agastados com a falta de um relacionamento salutar com as raparigas. Paulo Jussubo, de 20 anos e estudante do curso de Meteorologia afirma que as suas vizinhas, para além de interesseiras, têm a mania de superioridade e olham para eles com desprezo.
“O comum seria partilharmos o refeitório para que fosse possível quebrar as barreiras entre nós, mas raramente as moças colocam os pés lá, a não ser em dias de festas”, conta Paulo. “É frequente ver carros de homens que vêm ter com elas estacionados ali fora, são essas mesmas amizades que lhes garantem a sobrevivência”, revela. Paulo comenta que os poucos relacionamentos sentimentais são de namorados que já vêm da província e garante que eles não duram: “passado algum tempo a relação vai esmorecendo e as moças decidem romper”. Segundo Paulo, as causas desse rompimento são as novas amizades masculinas das moças na capital e os comentários das colegas da residência em relação ao namoro.
“É quase impossível conversar com elas, ao menos que sejam colegas da faculdade. Na verdade, as moças preferem rapazes que não vivem nas residências universitárias”, desabafa Benildo Nhamutokwe, de 20 anos de idade e estudante do curso de Línguas Bantu. De acordo com Benildo, a preferência delas pelos relacionamentos fora da residência tem tudo a ver com a incapacidade financeira dos universitários de cobrir algumas despesas como levá-las ao cinema, passeios, lanches ou jantares.
“Elas são interesseiras e querem coisas que nós não podemos dar devido ao mísero montante que recebemos referente à bolsa”, afirma. “E temos consciência de que as raparigas não são obrigadas a namorar connosco pelo simples facto de morarem dentro do mesmo espaço”, acrescenta.
DIANTE DESSAS AFIRMACOES, OUVIMOS A VERSAO DAS RESIDENTES DA R7
A nossa primeira interlocutora foi a presidente da residência feminina, Mwema Uaciquete, de 23 anos, estudante de Sociologia. Para Mwema “por um lado, cada um é livre de namorar quem quiser e o facto de partilharem os mesmos espaços não significa que automaticamente devem namorar e, por outro, os rapazes têm namoradas nas suas províncias de origem”. Assim, “é evidente que ao terminarem o curso eles vão abandonar as moças da residência”.
Para Mwema, o namoro é uma fase bastante importante, é um período de procura e escolha do parceiro com o qual se pretenda viver “até que a morte os separe”, por isso não se deve encarar de ânimo leve. “Não é verdade que nós procuramos apenas namorar com os moços de fora, a maior parte das moças aqui não tem namorado, porque nenhum rapaz apareceu para conquistá-las”, refuta Mwema. Segundo ela, os rapazes colocaram na cabeça que a R7 está pejada de moças interesseiras e bandidas ou malandras.
As raparigas foram unânimes em afirmar que existe por parte dos rapazes da R6 um certo preconceito em relação às raparigas da R7, devido a algumas viaturas que regularmente ali estacionam em alguns períodos do dia. Elas comentam que quando eles vêem os veículos, julgam tratar-se de um namorado ou alguém que paga as despesas das moças, enquanto na maioria dos casos são familiares próximos ou um simples amigo.
As moças revelam que uma relação amorosa com os rapazes da residência ao lado não dá certo devido ao comportamento destes durante o namoro. Segundo elas, depois de alguns dias de namoro, os moços começam a exigir que elas passem a cozinhar para eles e a lavar a roupa deles, ou por outra, eles querem que as moças dediquem 100% do seu tempo a eles em detrimento dos seus estudos.
CENARIOS DIFERENTES
A nossa Reportagem constatou que cada uma das residências dispõe de 40 quartos e a quantidade de pessoas por quarto é de quatro estudantes. E verificamos que cada residência tem uma sala de estudo, com apenas uma média de três cadeiras danificadas, mesas que aguardam pela substituição, e duas salas de televisão. Os quartos são pequenos e revelam os traços pessoais dos seus moradores e têm duas beliches. Os quartos das moças em relação aos dos rapazes são limpos e organizados, é normal encontrar quatro televisores, quatro aparelhos de microondas, o mesmo número de geleiras, de chaleiras, ferros de engomar, entre outros utensílios. Segundo elas, a razão disso é o facto de, entre as que partilham o mesmo quarto, não haver conversa e, para evitar discussões, preferem adquirir as suas próprias coisas.
Do lado masculino o cenário é completamente diferente, é quase impossível encontrar num quarto um televisor ou uma geleira; no mínimo podemos deparar com um computador, uma chaleira ou um fogão. É que, de acordo com eles, por um lado, não é permitido electrodomésticos nos quartos, e por outro, eles não se importam de partilhar os bens materiais. “Temos aprendido a viver em colectividade”, disse Armando, estudante de Direito. Constátamos que o refeitório é frequentado maioritariamente pelos rapazes que de vez em quando se queixam da comida. As raparigas não vão ao refeitório alegando questões de saúde, visto que, segundo elas, a comida ali servida não possui nutrientes e é mal preparada.
Elas optam por comprar os alimentos para confeccionarem pessoalmente as refeições. Dalma Machauro, de 20 anos e estudante de Geografia, comunga a mesma opinião e acrescenta, ainda, que os rapazes da R6 não se têm esforçado para conquistar a simpatia e agradar às donzelas, apenas limitam-se a dizer que elas são interesseiras. “Uma e outra moça é interesseira, muitas vezes as razões que justificam essa atitude são a perda completa da bolsa. Nem todas as raparigas têm pais com capacidade fiinanceira para suportar os estudos das suas filhas”, justifica.