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‘@Verdade Solta: Aniversário esquecido

Sou um daqueles adolescentes que fazem drama por tudo e por nada. Se calhar porque sou um tipo muito mimado. Dificilmente, esqueço a data de aniversário do meu pai, da minha mãe, dos meus avós, dos meus irmãos e até o da minha sapatilha de estimação que ganhei numa dessas minhas habituais festas de aniversário. Hoje faço 15 anos de idade e ninguém se lembrou de mim.

Às vezes, sinto-me um homem maduro e adulto, talvez até muito adulto para a idade que tenho. Mergulho numa profunda tristeza e ponho-me a pensar: “As coisas inesperadas sucedem somente a mim”. Acredito que há algo de anormal em mim e digo para mim mesmo: “O sol brilha para alguns, a chuva cai para outros, as tempestades, essas, são todas para mim”. Deduzo que estejam a preparar uma festa surpresa, mas a julgar pela pressão para a necessidade de contenção de despesas domésticas duvido que isso venha a acontecer.

O tempo passa e ninguém se lembra do meu aniversário. Aproximo-me da varanda e lanço olhares críticos para a brancura gasta dos velhos edifícios que necessitam de reabilitação há milhares de anos, para a agitação dos ramos das acácias amarelas, para algumas pessoas preocupadas em chegar a casa e para outras procurando um lugar para passar a noite de sexta-feira na companhia do amigo álcool. Assisto a essa agitação todos os dias, mas com maior intensidade nos fins-de-semana. Sisudo, decido ler os meus e-mails e comecei, obviamente, pelo primeiro:

“Saudações. A direcção responsável pela manutenção deste sítio e os seus serviços vêm por este meio felicitar o senhor Shirangano por mais um ano de vida e aproveitamos a ocasião para informar que a partir do próximo mês o uso do e-mail e outros serviços passarão a ser cobrados. Obrigado”. – Que belo presente! – comento ironicamente e abro o e-mail seguinte:

“Idolatrado filho. Hoje fazes quinze anos. Escrevo-te a partir do serviço, mas antes de cá vir passei pelo teu quarto para te felicitar. Tu ainda dormias feito um anjo, por isso não te quis incomodar. O teu presente está na mesinha de cabeceira do meu quarto e também tem lá um bilhete para ti. Sobre a festa do teu aniversário, isso ainda estou a pensar. Sabes bem que o pai está apertado, são contas atrás de contas por pagar: a tua mensalidade e a do teu irmão; a conta de água, energia, gás e telefone; o vidro do carro do vizinho que partiste no mês passado. E bem sabes que os ordenados pagam-se no final do mês. Um abraço forte e tem um feliz dia. Do pai.”

– Que exagero! O meu pai tem destas coisas. – digo e vou em busca do presente, e qual não foi o meu espanto. “O meu pai deve estar a gozar comigo, oferecendo-me um livro deste tamanho! Até parece que juntaram dez enciclopédias enormes! Isto é violação dos direitos do adolescente!” – penso.

Desanimado prossigo na leitura dos e-mails:

“Parabéns, nosso querido neto, Shirangano. Hoje fazes quinze anos, mas amanhã não saberemos quantos farás. Mas de uma coisa temos a certeza, quando atingires a nossa idade estarás com a pele toda enrugada. Terás filhos ingratos e estúpidos, esposa chata e netos rebeldes e imbecis. Quando estiveres velho e andares de bengala, os teus filhos achar-te-ão um incómodo, um inválido e levar-te-ão a um estabelecimento de caridade destinado à recolha de mendigos e inválidos. Só se lembrarão de ti no Natal. Quando estiveres a repreendê-los e a educá-los, dirão ´o senhor está velho e ultrapassado´, e se viveres com eles, será apenas para cuidares dos seus bebés, os netos, isto é, tratar-te-ão como mão-de-obra barata. Se permitires gelados ao meio-dia, refresco e sumos toda a hora e ver qualquer programa televisivo, dirão que estás a estragar os seus pequerruchos com mimos, esquecendo-se de que os educaste. Aproveita a vida agora antes que as rugas invadam o teu rosto. Não morras antes de nós. Cumprimentos ao estupor do teu pai e à ingrata da tua mãe que não se lembra de ligar para os pais que lhe deram à luz e a educaram. Toma cuidado contigo. Dos teus avós.”

– Este e-mail é mais um desabafo dos meus avós maternos! – digo e dou um clic para abrir o próximo e-mail:

“Meu querido primo. Apesar de seres uma pessoa chata, não poderia deixar passar esse dia sem ao menos desejar-te os meus parabéns. ‘Parabéns meu grande primo Shir, que a tua vida seja toda coroada de êxitos e análises críticas’. Ainda bem que fazes quinze anos, pois, continuo sendo o mais velho. O pai e a mãe também te desejam um feliz aniversário. E, última coisa, espero que cresças mais mentalmente, e pares de te achar o melhor e o super-esperto, enquanto não passas de um estúpido diabinho apologista de meias frases jornalísticas. Aproveito a missiva para convidar-te para me desafiares no meu videogame amanhã. O pai e a mãe não estarão e podemos fazer tudo o que me der na tola. Um abraço do teu primo ´querido´ e até amanhã à tarde.”

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