Tendai Biti, ministro das Finanças do Zimbabwe, descreveu a jazida de diamantes do Marange, de 60 mil hectares, no leste do país como “a maior descoberta de diamantes de aluvião na história da humanidade”. Como receita potencial estima-se que atinja entre 800 milhões de euros e 1,4 mil milhões de euros anuais, cerca de metade do PIB previsto para este ano neste país assolado pela crise e o suficiente para pôr termo, quase de um só golpe, à sua miséria económica. Mas se a receita for exclusivamente para os cofres do partido do Presidente Robert Mugabe, o ZANU-PF, poderá significar, segundo argumentam os críticos, o regresso a uma ditadura de um só partido e o fim do frágil pacto de partilha do poder, atualmente em vigor entre Mugabe e o Movimento para a Mudança Democrática (MDC) de Morgan Tsvangirai.
Este foi o problema com que se defrontou o Sistema de Certificação do Processo Kimberley, o organismo internacional que regula o comércio de diamantes, que se reuniu recentemente em Israel para decidir se devia continuar a proibir a venda dos chamados “diamantes de sangue” ou permitir o recomeço da sua comercialização.
O ministro das minas do Zimbabwe, controlado pelo ZANU-PF, informou no princípio do mês que tinha feito uma reserva de 4,6 milhões de quilates de diamantes, no valor de cerca de 1,4 mil milhões de euros, desde que a organização suspendeu as vendas oficiais em novembro, depois das acusações de que os soldados que guardavam as jazidas tinham, entre outras atrocidades, massacrado mais de 200 suspeitos de prospeção ilegal.
O Processo Kimberley foi criado em agosto de 2003 por diversos governos, pela indústria diamantífera e por diversas ONG com o objetivo de travar o comércio de diamantes em bruto que contribuíra para financiar grupos rebeldes e governos implicados em guerras civis no Congo, Costa do Marfim e Serra Leoa. Os seus 49 membros, representando 75 países, incluindo o Zimbabwe, concordaram em obedecer a rígidos padrões e garantiram que apenas comprariam diamantes que fossem certificados como não sendo originários de áreas de conflito.
Grupos de direitos humanos alegam que as receitas provenientes da jazida de Marange estão a ser utilizadas para pagar às milícias do ZANU-PF para que continuem a atacar os apoiantes do MDC, os ativistas de direitos humanos e os lavradores brancos. A empresa estatal Zimbabwe Mining Development Corporation, que é controlada pelo ZANU-PF, anunciou em janeiro que tinha pago dividendos no montante de 646.520 euros da jazida de Marange, parte da qual está agora a ser explorada por duas empresas sul-africanas, em joint-ventures com a Corporation.
Contudo, a African Consolidated Resources, empresa cotada na Bolsa de Londres, insiste que tem direitos de exploração mineira sobre 1800 hectares da área, onde se pensa estarem os depósitos mais ricos. A sua reivindicação foi apoiada pelo Supremo Tribunal do Zimbabwe mas continua a ser ignorada pelo Governo. Biti, um homem do MDC, diz que o seu ministério não recebeu qualquer receita proveniente dos diamantes.
Em vez da proibição categórica da comercialização dos diamantes do Zimbabwe recomendada no ano passado pelo Conselho Mundial dos Diamantes, o Processo Kimberley decidiu em novembro suspender apenas as vendas durante seis meses e dar ao Governo outra oportunidade para cumprir os padrões estabelecidos e retirar todas as tropas da região.
Foi pedido a Abbey Chikane, antigo chefe do South African Diamond Board, que foi nomeado primeiro diretor do grupo, para supervisionar o processo. Para surpresa de muitos, Chikane recomendou num relatório divulgado no princípio do mês que o Zimbabwe fosse autorizado a retomar as vendas, apesar das notícias de violações constantes dos direitos humanos e da venda de diamantes sem certificação no mercado negro, indo as respetivas receitas para os bolsos de um grupo de personagens importantes do ZANU-PF e de oficiais do exército.
Os limites até onde Mugabe e seu partido estão dispostos a ir para manter o bloqueio sobre esta nova fonte de riqueza ficaram bem exemplificados com a detenção, em 3 de junho, de Farai Maguwu, chefe de uma ONG sediada em Marange e fonte de primeira classe sobre o que está a acontecer na região. Maguwu foi acusado de prejudicar o Estado, por supostamente dar a Chikane um documento ultrassecreto que conteria detalhes sobre toda esta trapaça.
Curiosamente, Chikane, cujo irmão Frank foi chefe do Estado-Maior do anterior Presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, deixou que agentes secretos do Zimbabwe o acompanhassem na sua reunião com Maguwu, apesar dos avisos de que isso poderia pôr em perigo a vida do homem da ONG. Acreditando aparentemente que o documento que Maguwu lhe forneceu teria sido “obtido fraudulentamente”, Chikane diz que o entregou aos responsáveis do ZANU-PF para ser autenticado.
Se for condenado, Maguwu poderá enfrentar uma pena de 20 anos de prisão. Em 18 de junho, Obert Mpofu, o rico e poderoso ministro das minas do Zimbabwe, disse numa reunião da câmara de comércio do seu país que tinha recebido uma carta do Processo Kimberley exigindo a libertação imediata de Maguwu, caso o Zimbabwe fosse autorizado a retomar a comercialização dos diamantes. Mpofu respondeu que não poderia intervir na ação da justiça do Zimbabwe, que por acaso também é controlada pelo seu partido.
O Zimbabwe, disse ele, iria vender os seus diamantes, qualquer que fosse a decisão do grupo. “Nada nos vai impedir”.