Quando for grande quero ser como a minha irmã Luísa que colecciona namorados como tops da Zara. Eu tenho 14 anos e a Luísa 21. É filha do primeiro casamento da minha mãe, eu sou filha do segundo. Quando a minha mãe nos apresenta a alguém diz sempre: esta, que ainda se há-de casar com um futebolista, é filha do Victor, e esta, que um dia há-de ser magra, é filha do Alberto.
É a lei da vida. A Luísa, que tem umas grandes mamas e cintura de vespa, vai safar-se de qualquer maneira. Já eu, mesmo sendo a melhor da aula, como sou gorda e tímida, estou tramada. Nem o pai da Luísa nem o meu vivem ainda lá em casa. A Luísa diz que o pai dela e a nossa mãe ainda estão apaixonados e que é por isso que o meu pai se foi embora. Se calhar é verdade. A minha mãe nunca tirou das molduras as fotografias do casamento com o Victor, ele de fato azul claro e gravata lilás e ela mascarada de bolo de noiva, pirosa até rebentar, isto sem falar do facto de estar tão gorda que os pontos das costuras do vestido parecem querer saltar a qualquer momento.
Mas o pior é o chapéu em forma de nuvem, cheio de penas pequeninas que parece um ninho de ratos. Naquela época a minha mãe pensava que era a Madonna e o e o meu pai pensava que era o rapaz do Kit, aquele carro preto todo artilhado que tinha luzes vermelhas no capô. Eu tenho pena da minha mãe. A avó Vitória diz que a culpa de nunca ter acertado com nenhum homem é dela, que quer sempre aquilo que não tem. Quando estava casada com o Victor dava conversa a outros, e depois, quando se casou com o meu pai, dava conversa ao Victor.
Mas a Luísa ainda é pior. Dormiu com todos os rapazes da turma do décimo segundo – eram 12 – e desde então habituou-se a trazer para casa um palerma qualquer cada vez que sai à noite. Chamalhes Douradinhos e quase nunca lhes dá o telemóvel, a não ser que tenham um jeep ou um descapotável. A minha mãe emprestou-lhe a garagem para ela viver, assim finge que não vê os disparates que ela faz e não ralha com ela. Diz-lhe que faça os disparates que quiser, desde que não case nem engravide. Eu não acho isto nada bem, mas como sou a gorda da casa, ninguém liga ao que eu penso.
Outro dia o meu pai veio-me buscar num sábado de manhã e vê sair um cromo da garagem com uma crista e um piercing, entra em casa e desata aos gritos com a minha mãe, a dizer que isto não pode ser, que a galdéria da outra é um mau exemplo para mim e que se isto continua assim, vai ao tribunal e pede a minha guarda ao juiz para eu ir viver com ele. Só que eu não quero ir viver com ele, não troco a casa com jardim em Massamá por um segundo frente em Queluz num prédio cheio de velhos e gente esquisita. Mas o meu pai tem razão. Também é um bocado gordo, coitado. Gordo e triste.
Desde que se separou da minha mãe nunca mais teve uma namorada. A Luísa diz que ele nunca mais encontrou uma mulher a sério e que ficou traumatizado. Se calhar é verdade e se calhar ele até me dava uma educação melhor do que estas duas malucas, mas eu ia-me chatear que nem um peru enfiada no andar de Queluz a ver televisão por cabo. Cá em casa tenho novela em directo, com os casos semanais da Luísa e as aventuras da minha mãe. Será que quando for grande, também vou ser assim como elas?
Quero ir para Direito e depois ser advogada de divórcios. Dizem que dá dinheiro e além disso já levo um estágio de casa. Ao menos não fico a dobrar camisolas e tops na Zara como a Luísa, que trabalha dois fins-de-semana por mês e não ganha mais por isso. E se eu emagrecer quando crescer e for como elas, sempre distraídas com um palerma qualquer, à procura de um otário que as leve a almoçar à marisqueira e as encha de bugigangas e trapos?
O melhor é começar já uma dieta, porque ainda faltam muito anos para a universidade e até lá, não vou morrer estúpida. Quem sabe ainda fico magra e lhes apanho os restos, como os cães vadios quando viram os caixotes do lixo. Afinal, também quero ser protagonista de uma novela qualquer, por mais pirosa que seja.