Situada em frente da praça dos trabalhadores na baixa da cidade de Maputo, a estação central dos Caminhos-de-ferro de Moçambique (CFM) conta agora 100 anos de existência, um percurso não só marcado pelo transporte de passageiros e de mercadorias, mas também por várias histórias, cujos protagonistas são gerações de trabalhadores e gente anónima que ao longo do tempo, acorre ao local para encontrar soluções visando fazer face aos duros combates da vida.
Durante estes últimos cem anos, o percurso da estação registou alguns avanços e retrocessos como afirmou um funcionário que falou em anonimato. Segundo aquele, um dos constrangimentos que se registou ao longo desse tempo é a paralisação do tráfego internacional.
“Actualmente já não há comboios para o estrangeiro e pelo que se nota os passageiros tem estado a sentir essa falta”, disse. Outro problema está ligado a guerra dos 16 anos: o último conflito armado, de acordo com algumas pessoas, constituiu um enorme entrave para a conclusão da obra.
“Não obstante, a estação central dos CFM, alcançou vários sucessos testemunhados pelos constantes projectos de modernização”, referem. Um dos avanços, mais notáveis é a implantação de alguns serviços. Actualmente o local conta com um banco, tabacaria, agência de turismo e o recém reabilitado restaurante Kanpfumo, o antigo Che Rangel.
Neste momento, passam em média 5000 passageiros por dia e exploram-se três linhas internas, nomeadamente Ressano Garcia, Limpopo e Goba, reservada para mercadorias. O percurso mais longo na zona sul vai até o distrito de Chiqualaquala. O transporte de passageiros e mercadorias é feito por comboios normais e automotoras, que exploram o espaço inter-urbano de Maputo a Marraquene e Matola Gare.
Breve historial
A estação dos CFM foi projectada na África do Sul, devido às dificuldades da mesma ser feita na Inglaterra, por causa da I Guerra Mundial. As obras da nova estação, em tijolo cozido e cimento, com uma frente de 51 metros, iniciaram em 1908, vindo a nova estação substituir a primitiva, de madeira e zinco, localizada um pouco mais abaixo, inaugurada em 1895, por Paul Kruger, líder do Transvaal.
Nessa época, a ideia era ter uma estação moderna para os padrões actuais, para tal os construtores se inspiraram na estação dos caminhos-de-ferro de Joanesburgo, com a diferença de que a obra moçambicana tinha um frontispício mais vistoso e no interior uma passagem que comunica com a gare da mesma.
A sua conclusão terminou a 19 de Março de 1910 e foi inaugurada, com a presença do Governador-geral, Freire de Andrade na missão de S. José de Lhanguene, onde se celebrava a festa do santo e padroeiro daquela missão e se pretendia obter fundos para a manutenção das suas actividades.
Com vista a complementar a elegância e o bom-gosto foi adornada com três cúpulas, sendo uma delas de grandes dimensões. A cúpula central é atribuída ao engenheiro francês especializado em estruturas de metal Gustave Eiffel (também autor da Casa de Ferro, onde funciona a Direcção Nacional do Património Cultural na baixa de Maputo e a famosa torre que leva o seu nome em Paris).
Chave para o desenvolvimento ferroviário
A construção da estação na capital de Moçambique foi uma espécie de alavanca para o desenvolvimento ferroviário da antiga Lourenço Marques. A seguir à estação central, foi construído o edifício sede dos CFM.
Em 1913 decorreram algumas obras importantes na estação, tendo-se alterado profundamente a fachada do edifício, de autoria do arquitecto Ferreira da Costa (autor também do edifício do então Banco Nacional Ultramarino, hoje Banco de Moçambique, demolido em 1958 e da 1ª Esquadra, na rua Consiglieri Pedroso). A execução das obras foi administrada pela Secção de Via e Obras dos Caminhos-deferro, sob a direcção daquele arquitecto.
A ornamentação do frontispício foi feita sob contrato, encarregado por Pietro Buffa Buccellato e viriam a ficar concluídas em 1916.
Entretanto, nessas circunstâncias foram igualmente construídas, varias infraestruturas em que se destacaram quatro casas de alvenaria para 10 famílias que trabalhavam nos CFM em Ressano Garcia, uma nova ponte metálica de 80 metros de vão sobre o rio Matola, ampliação das linhas da estação de Ressano Garcia visando adequar aos novos serviços de carvão, instalação de agulhas automáticas nas estações de Moamba e Incomáti; assentamento de novos feixes de linhas para o serviço da carvoeira, construção de triângulos de inversão em Lourenço Marques, Moamba e Ressano Garcia, etc.
Um lugar de sobrevivência
Nos nossos dias, além de simples estação ferroviária de passageiros e mercadorias é também um local de cultura. Nela, são promovidos vários eventos sociais. Neste momento pondera-se a construção de um museu ferroviário.
Além dessas actividades, ao redor da infraestrutura existe um conjunto de pessoas que se servem do espaço para ganhar o seu sustento, uns vendem pães, outros montaram barracas com diversos produtos. Os mais notáveis são os que lavam carros. Naquele lugar encontramos o jovem Inoque. Segundo ele, a partir daquela praça busca o pão e ganha 50 meticais por dia.
Conta que chegou há dois anos quando se cansou do desemprego. Agora é seu posto de trabalho. Através deste jovem ficamos a saber sobre o senhor Dinis, um homem que explora o espaço há mais de 30 anos, conhece o local como a palma da sua mão. Lava viaturas e arrastou consigo os seus dois filhos. Muitos dizem ter clientes fixos e prestar serviços com remuneração diária ou mensal.
Contudo lamentam que o negócio deixou de ser rentável nos últimos dias, apesar dos muitos carros que circulam por ali. “Já não facturamos como antes, primeiro porque as pessoas lavam os seus carros em casa, segundo porque para o efeito existem muitos parques, por último somos obrigados a fugir de um lado para o outro temendo as chantagens da polícia camarária que proíbe a actividade neste local”, afirmam.
Mas nem tudo são fugas e lamúrias na estação dos CFM. Dona Julieta vende pão e badjia e não se queixa de nada. Para ela o seu negócio decorre sem sobressaltos, se não fosse o calor e as longas distâncias que percorre para chegar ao local, tudo seria bom.
Igual a vendedeira de pão, está Isac João portador de uma banca com produtos alimentares. João gosta de estar ali e acha o lugar um ponto estratégico para o negócio que faz porque capta os passageiros que chegam e partem. Ainda não teve dificuldades e se depender dele quer continuar naquele lugar até aos cinquenta anos para contar a história. Portanto, é assim que tem sido o dia-a-dia naquela praça.
Com certeza que além destes, varias gerações passaram por ali e fizeram do local, um espaço para verdadeiras homenagens aos trabalhadores tombados na primeira grande Guerra mundial, visivelmente representados por ali.