Uma mulher com independência económica e capacidade para tomar decisões sobre a sua própria vida tem menos probabilidade de se casar apenas por dinheiro e de incorrer em condutas de risco para a saúde, afirma Unity Dow. Nascida em Botsuana, esta advogada e activista pelos direitos humanos foi a primeira mulher a exercer a função de juíza no seu país. Agora, cumpre o seu segundo mandato como integrante da Comissão Internacional de Juristas, e preside o seu Comité Executivo.
IPS: A sua história figura de modo destacado no primeiro informe da história do ONU Mulheres. Qual é a mensagem que a senhora acredita que transmite às mulheres de todo o mundo?
UNITY DOW (UD): Penso que é importante que as pessoas que a lerem vejam que, definitivamente, não sou única ou especial. E também, suponho, que dêem conta de que o motivo pelo qual eu consegui o que conquistei tem a ver com a minha família – pais e irmãos –, que é forte e me apoia, que sempre esteve em cada sessão do tribunal, quando eu chorava e também quando estava feliz com o resultado. Não foi uma viagem individual. Precisa-se da família para se ter sucesso.
IPS: A senhora trabalhou a par da ONU Mulheres. O que espera desta agência para os próximos anos, ou décadas?
UD: Não creio que se possa subestimar a criação desta nova agência, pelo impulso, pela força e pelo poder que dá às mulheres. E isto mesmo antes de falarmos sobre quanto dinheiro tem ou sobre quem a lidera; e penso que a entidade é muito, muito afortunada por ter a líder que tem (a ex-presidente chilena Michelle Bachelet).
Espero que a agência gere uma nova energia em torno dos assuntos femininos. O tipo de energia que conseguimos em torno da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, de 1995, em Pequim, que de algum modo começou a apagar-se, espero que agora volte a ter força.
E também que obrigue os governos a terem programas específicos para as mulheres, porque agora há uma agência desse nível responsável, que fará perguntas e se comprometerá com os governos, e isto é bom.
IPS: A questão central do informe é a justiça, e a senhora dedica a sua vida ao sistema judicial. Porque acredita que os sistemas judicial e legal são tão importantes para o poder da mulher?
UD: Porque o sistema legal não trata apenas de criar marcos, mas também de apresentar soluções. Se há uma lei que diz que não se pode discriminar as mulheres, isso não mudará com o passar do tempo, mas o facto de a lei existir faz com que, com o tempo, mudem as atitudes, porque cria uma norma e destrói outra negativa que estava em vigor.
E, em segundo lugar, se falamos sobre a violência contra as mulheres, sobre o poder económico, sobre qualquer coisa, é preciso um sistema judicial ao qual elas possam recorrer para fazer valer os seus direitos. Assim, é o básico.
IPS: A senhora foi juíza do Supremo Tribunal, mas retirou-se e começou a exercer a advocacia de maneira independente. Acredita que é uma maneira mais efectiva de chegar às mulheres, ou foi apenas uma decisão pessoal?
UD: Fui juíza por 11 anos e meio e aprendi muito. Mas também sentia que não controlava a minha vida, porque você se senta ali e espera que os casos cheguem.
Quando fui designada, era a primeira mulher juíza e o argumento foi: “Veja, precisamos de mulheres nos cargos de tomada de decisões; você não pode rejeitar este posto”.
Entendi isso e penso que foi bom ter aceitado. Depois de um tempo, percebi que, de todo modo, é necessário que haja gente que apresente as demandas correctas nos tribunais.
São necessários juízes bem formados, e também advogados bem formados e sensíveis às questões de género que possam apresentá-las. E eu não sentia que isso estivesse a acontecer, e por essa razão renunciei para fazer o tipo de trabalho que fazia antes.
IPS: A senhora também é novelista. Acaba de me mostrar o seu último livro, “Saturday is for Funerals” (Sábado é para os Funerais). Trata-se da SIDA, que é um problema muito sério em Botsuana. Acredita que é um assunto específico das mulheres? Como afectará um maior poder feminino diante da situação dessa doença?
UD: Não é um assunto das mulheres, mas de género. Quando os pais morrem, deixando filhos pequenos, alguma mulher aparece e cuida deles. Assim são as coisas: as mulheres cuidam dos filhos de familiares que morreram.
Também é uma questão de género, porque, se as mulheres não têm poder económico, é mais provável que participem em condutas de risco e, portanto, contraiam o vírus HIV, causador da SIDA.
Também é um assunto de género porque quando a pessoa morre jovem, deixando filhos, há todo o tipo de questões relativas à herança e todo o tipo de leis que entram em jogo para definir quem tem direito a herdar e o que herdar.
Em quase todo o mundo, e também em Botsuana, as cuidadoras profissionais (enfermeiras, trabalhadoras sociais) são mulheres. Assim, se estas profissionais em particular se vêem sobrecarregadas pelo HIV/SIDA, isto torna-se um assunto de género.
Se uma mulher tem mais poder, se ganha o suficiente para viver bem, se tem capacidade para tomar decisões sobre a sua própria vida, é menos provável que se case somente por dinheiro, que participe nessas actividades de risco ou que seja abandonada pelo marido e tenha de cuidar sozinha dos filhos.
A educação dá mais poder às mulheres: com ela são mais capazes de negociar uma relação, de terminar relações más e de não transigir.