Em Moçambique, 40 anos após a independência, “mais de 85 mil crianças ainda morrem todos os anos antes do seu quinto aniversário, (…) uma em cada 200 mulheres morre durante a gravidez ou o parto, (…) o ingresso escolar estagnou ao longo dos últimos cinco anos, e o baixo nível de aprendizagem torna-se uma questão de crescente preocupação”, adverte o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
O relatório final do UNICEF sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), intitulado “Progresso para a infância: além das médias”, publicado nesta segunda-feira (24), considera que Moçambique tem registado avanços encorajadores pois se “em 1997, duas em cada 10 crianças morriam antes de completar 5 anos de idade, em 2011 este número foi reduzido em mais de metade.”
E o UNICEF aponta onde o Governo precisa de intervir, melhorar o acesso a intervenções básicas de saúde ou higiene, aumentar o número de crianças que usa redes mosquiteiras para dormir, melhorar o saneamento do meio, pois dois em cada cinco moçambicanos praticam a defecação a céu aberto. “Outras razões prendem-se com a consistente alta prevalência de desnutrição crónica, que afecta 43% das crianças menores de 5 anos, bem como a mortalidade materna, com uma em cada 200 mulheres que morre durante a gravidez ou o parto, situação inalterada desde 2002.”
Se é verdade que, entre 2000 e 2013, o número de crianças na escola primária aumentou para quase 3 milhões (2.815.000), constata o UNICEF que “o baixo nível de aprendizagem torna-se uma questão de crescente preocupação”.
Este baixo nível de aprendizagem resulta, em parte, segundo vários estudos, do sistema de passagens semi-automáticas, que permite que uma criança transite até ao quinto ano de escolaridade sem reprovar, aplicado nas escolas moçambicanas no âmbito do novo currículo escolar, introduzido em 2004.
Outra das causas da baixa qualidade de ensino em Moçambique deve-se à falta de escolas e professores, o que origina turmas superlotadas (uma turma do ensino básico tem, em média, 72 alunos).
É evidente a falta de unidades sanitárias, pessoal de saúde, medicamentos, escolas, professores, porque, apesar dos discursos e documentos de intenções, sistematicamente os Governos do partido Frelimo não têm dado prioridade à Saúde e à Educação.
A título ilustrativo, da divergência entre o discurso e a prática, em 2013 o Governo destinou 15.731.599.580,00 meticais (524.386.652,67 dólares norte-americanos, ao câmbio de 1 dólar = 30 Mt) para o sector Saúde porém foi pedir emprestado à China, cerca de 22.500.000,00 de meticais (750.000.000 dólares norte-americanos) para construir uma ponte de pouco mais de três quilómetros, ligando a cidade de Maputo ao distrito municipal da Catembe.
Quantas crianças e mulheres deixariam de morrer se em vez de fazer dívida para construir uma ponte se tivessem construído hospitais e comprado mais medicamentos?
“Os ODM ajudaram o mundo a conseguir avanços extraordinários em favor das crianças, mas também nos mostraram quantas delas estamos a deixar à margem”, disse o director executivo do UNICEF, Anthony Lake.
Ainda no ano de 2013 o Governo, na altura de Armando Guebuza, alocou 32.192.646.250,00 meticais (1.073.088.208,33 dólares norte-americanos, ao câmbio de 1 dólar = 30 Mt) para o sector da Educação. Nesse mesmo ano, o mesmo Governo foi pedir um empréstimo, desta vez na Europa, de 25.500.000.000,00 meticais (850.000.000 dólares norte-americanos) para a compra de barcos para a pesca de atum e barcos de guerra.
Porém, quando assumiu o compromisso de alcançar a escolarização universal, no quadro dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, Moçambique propôs-se a construir 45 mil salas em 10 anos, até 2011 apenas cinco mil salas de aula tinham sido construídas. E todos os anos o nosso país tem necessidade de contratar entre 15 mil e 20 mil novos docentes, mas devido à falta de dinheiro para pagar salários, os professores existentes já são mal pagos, nos últimos anos tem sido contratados menos de dez mil professores por ano.
Com relação aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável que a comunidade internacional está agora a preparar, o UNICEF pede que as crianças mais desfavorecidas estejam no centro dos novos objectivos e metas.
“Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável representam uma oportunidade para aplicar as lições que aprendemos e chegar às crianças mais necessitadas, e espero que não nos envergonhemos no futuro por não tê-lo feito”, disse Anthony Lake.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância recorda também neste relatório que “Moçambique tem uma das taxas de casamentos prematuros mais altas do mundo (classificado com a 10ª maior taxa de casamentos prematuros a nível mundial) que afecta uma em cada duas raparigas (48% de casamentos de menores de 18 anos, segundo o Inquérito Demográfico e de Saúde – IDS 2011).”
Os ODM foram oito propósitos estabelecidos no ano 2000 e assinados pelos 189 países-membros das Nações Unidas para que fossem cumpridos até o ano de 2015.